2005
~scape/Flur
Este último fim-de-semana foi aquele em que os peregrinos vermelhos entopem os transportes da margem sul do Tejo. A Quinta da Atalaia, pólo de oração dos comunistas no último mês do tempo quente, recebeu-os num contexto especial. A Festa do Avante deste ano aconteceu depois da debochada popular e mediática que foi levar o líder espiritual do clã a enterrar. O partido dos reformados e das gentes reaccionárias todos os anos prepara um acampamento de jovens e tenta atirar areia para os olhos de muita gente. No fundo, é tudo malta inofensiva cujo único crime é trajar uma t-shirt do Che, mas também não se pode assumir que toda a gente conhece a História. Ao mesmo tempo, mas na parte norte do rio, acontecia um festival de reggae e derivados na Ericeira. Estes, sabe-se, estão lá pela música e têm a vantagem de não venderem a alma a Estaline.
As tribos existem, embora sempre vá havendo quem tenha a mente suficientemente aberta para picar mais do que um género, e rivalizam entre si. Tudo isto é saudável, tudo isto acontece desde que há jovens a habitar a superfície do planeta. Mas desconhece-se música tão apátrida como o dub. A resistência que a maior parte das pessoas tem quanto ao dub só o torna mais querido dentro dos círculos em que ele se mexe. A ~scape é morada de muita coisa que está para lá do lancil da magra via mediática. Já editou Deadbeat, Triosk meets Jan Jelinek, Pole ou colaborações ovni tipo Burnt Friedman e os Nu Dub Players, só para citar alguns. E agora edita Portable, ou antes Alan Abrahams, um tipo que soube crescer na África do Sul do pós-apartheid e que deu um salto a Londres para aí se estabelecer enquanto músico. Version é um disco do mundo, antes de ser qualquer outra coisa. Cruza idiomas tão aparentemente inconciliáveis que, só por faixas como “Thought in Action”, merecia ser conhecido por uma rua inteira. Os únicos temas em que ele mostra as raízes descarnadinhas da sua música encontram-se, logo a seguir, em “Temporal Distortion” e em “Tempura”, peças desavergonhadas que buscam inspiração em samples permissivos.
Mas, voltando atrás, ainda à boleia de “Thought in Action”, temos um pedaço de infusão africana. Uma espécie de remake pós-(inserir termo aqui) das partituras sonoras do King Kong, a clássica obra cinematográfica da dupla Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack. Aliás, não se percebe por que raio os gritos da actriz sempre que vê o gorila não foram samplados para aqui. Avante, camaradas, que há ainda “Typhoon”, um chamamento dos deuses, uma centopeia rítmica que induz uma preguiça tal, só disfarçada pelos tambores e pela voz que se mete no meio.
As miudezas electrónicas não podiam faltar e ocupam sobretudo a primeira metade do disco. Percebe-se um house que se sabe importado, um techno a brotar do coração da Europa, uma lipoaspiração de toda a tralha acessória que faz a programação das noites dos bares da Expo. Mas, como ovelha tresmalhada que é, Portable não poderia ficar-se pelo continente negro, onde se demora nos vinte minutos que se seguem aos primeiros de Version. É que, à última faixa – “The Opened Book” –, abre o livro e aponta a sua verdadeira filiação, uma linhagem transpirada de influências rítmicas, geograficamente demarcadas, mas uma adoração especial por Berlim. Não está mal.
Portable vai passar por cá já amanhã, dia 9, para uma data única, a acontecer no Castelo de Linhares da Beira. Os bóinas vermelhas já estão dispensados. É que é muita música para um revolucionário!
http://www.bodyspace.net/album.php?album_id=500
09/09/2005
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