17/08/2008

Nneka - No Longer At Ease

Nneka - No Longer At Ease

Nascida em Warri, na Nigéria, Nneka Egbuna tem aquela africanidade na voz, aquela negritude no espírito, que não se perdem por nos mudarmos para Hamburgo, aos 19 anos. Mesmo assim, ela vive na Alemanha há tempo suficiente para se deixar contaminar pela cena electrónica de Berlim, via hip-hop e club. Mas as influências maiores vêm de trás, de gente como Fela Kuti (nigeriano como ela e nome enorme do afrobeat). E ainda da neo-soul de Erykah Badu e de uma forma actualizada de gospel.

Como estar no centro da Europa é também estar um pouco no centro do mundo, em "No Longer At Ease", Nneka deixa várias pontas soltas que, na economia do disco, arranjam forma de se encontrar. É essa universalidade que permite reunir canções como 'Gypsy', um tema soltinho como arroz malandro e que fala sobre a sensação de liberdade, e 'Niger Delta', que tem todas as cores e cheiros de África e é talvez a canção mais cheia do álbum, com trombone, saxofone e clarinete, entre outros instrumentos.

Na Alemanha, Nneka conhece DJ Farhot, personagem fundamental na sua ainda muito curta carreira e creditado como produtor deste álbum. Mas os novos valores culturais são cada vez mais precoces e aí temos a senhora a ser comparada a Lauryn Hill e a ser chamada de rainha da soul em formação. Pequenos mimos da imprensa que, desta vez, não erram nem o alvo nem o alcance.

"No Longer At Ease" é o disco de alguém que passou a adolescência a ouvir Mos Def e Talib Kweli, sem nunca esquecer a ligação à terra-mãe. E depois, esta "supa sista" tem consciência política, como se pode conferir em 'Streets Lack Love', 'Focus' ou mesmo no single 'Heartbeat'. Porque até uma canção de amor pode ser política.

Em 'Kangpe', Nneka é acompanhada por Wesley Williams, também conhecido como Maestro Fresh Wes e considerado o padrinho do hip-hop canadiano. Um pouco antes, em demorada palpitação dub, ela canta 'Something to Say' com Pat Attah, um conhecido actor de Nollywood - não, não são só os Estados Unidos e a Índia, a Nigéria também tem a sua indústria de cinema bem oleada. E claro, a presença de figuras ilustres, nem que seja à escala doméstica, diz qualquer coisa sobre a importância que Nneka vem assumindo.

A acreditar no selo colado na capa do disco, há a circular uma edição exclusiva para Portugal que contém 'Africans', tema retirado de "Victim of Truth" de 2006. Na capa, Nneka aparece com olhar distante, a fazer lembrar as estampas míticas da época dourada da soul e do funk, de James Brown às Supremes. E, pelo que se ouve, ela não parece nada pouco à vontade como o título sugere.

"No Longer At Ease" é um disco de síntese de várias linguagens, da cadência abrasadora dos beats africanos (aqui e ali atravessados por teclas e pelo menos um ukelele) à fria matemática das técnicas modernas de estúdio, com programações ricas mas nunca gordurosas. E tanto serve de cancioneiro de Verão como para levar a castanha ao braseiro quando o Outono vai alto. Não há por aí muitos discos assim.

http://cotonete.clix.pt/quiosque/novos_discos/body.aspx?id=374

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