24_05_2005
Desconhece-se se as pessoas, em geral, percebem ou não o hip-hop que não passa na TV, e se é isso que as faz ficar em casa quando uma das mais contravencionais bandas vem a terreiro. Certo é que, quando Oddateee subiu ao palco da ZDB para fazer o warm-up, a sala estava às moscas. Numa actuação afivelada a um alinhamento de Oktopus (produtor do colectivo que se seguia) e a versar por cima, o músico natural de New Jersey, “co-coming from the hood”, teve algumas tiradas brilhantes e outras menos boas.
Sozinho, sem o DJ que o costuma acompanhar em digressão, Oddateee apelou a um sentimento de comunidade, a uma aproximação das pessoas ao palco, à coisa dialógica que marcou os primórdios do hip-hop. Saiu-se bem, ainda que o público, que ia agora crescendo, nem sempre respondesse. Arrepiante foi o número em que desfiou, uma por uma, as mortes de gente próxima, o tipo alvejado por 450 dólares, o trompetista, a miúda com Sida, etc. Mas insistiu em mostrar às pessoas como se escrevia o seu nome artístico e em malhar no DJ, aquele “asshole” que não marcou presença.
Compreende-se a necessidade de preencher os espaços mortiços enquanto o computador não devolve a faixa seguinte, mas às vezes a repetição sem brilho aborrece. No que realmente conta, Oddateee fez um set competente e percebeu-se por que é que os Dälek pegaram neste miúdo. Sai-se melhor quando se agarra ao groove do baixo para pôr a voz, do que quando tenta furar a bateria ou o material samplado de que se faz acompanhar; nestes, a voz fica abafada e é difícil ler as suas palavras. Qualidades de MC não lhe faltam, falta-lhe talvez maior capacidade de encaixe, mais cola criativa que torne a sua música mais forte e coesa, da raiz até às pontas.
Mas a noite era dos Dälek (lê-se “dialect”, para quem ainda não sabe). Colectivo formado por Dälek, o peso-pesado, o MC e principal produtor, Oktopus, produtor também a cargo das teclas, e DJ Still, o gira-disquista de serviço, senhor da mais swingante cabeleira afro. Os Dälek de Negro, Necro, Nekros, o primeiro disco editado em 1998, não são já os mesmos que se apresentaram na Galeria. Entretanto cresceram muito e, sobretudo, cresceram muito depressa. Uma das obras maiores foi o disco que gravaram a meias com Faust, nome intocável do krautrock germânico.
Ao vivo, tudo é diferente, é tudo mais descontrolado, mais sónico, mais avassalador. Houve quem se queixasse da muralha de som que se constituiu e que tornava imperceptível quase tudo. Sentiu-se, de facto, uma reverberação que tornava macroscópicos apontamentos ligeiros de som e isso acabou por influir na degustação plena do concerto. Possível explicação: as ondas acústicas encontravam muito atrito, muitos espaços vazios entre a assistência e, como a sala é pequena, as ondas chocavam entre si e adensavam o barulho, o ruído na comunicação, já de si ruidosa, emanada da voz e instrumentos.
Uma espécie de hip-hop progressivo que tem tudo para defraudar os fundamentalistas do hip-hop ou do metal. É preciso alguma abertura para levar com um live sampling agressivo, aturar o berreiro de DJ Still para a agulha do gira-discos, beats ultracinéticos e uma poesia que não cabe nesse termo. Há quem ande a descobrir no som dos Dälek vestígios de My Bloody Valentine. Eles existem sim, mas apenas na exacta medida que os encontramos nos Jesu, novo projecto de Justin Broadrick (ex-Goldflesh e Techno Animal): uma nebulosa de som que se expande como gás tóxico, que calcina tudo à passagem. E a analogia acaba aqui, não vão os incautos do shoegaze calçar o sapato errado. Demolidor e inspirador, simultaneamente, assim foi Dälek.
28/05/2005
27/05/2005
A Hawk and a Hacksaw - Darkness at Noon
2005
Leaf/Flur
Ouvir música ao deitar pode ter um de dois efeitos. Ou se assemelha àquelas pessoas que quebram o contrato social do silêncio no cinema, ou serve de acelerador de partículas nos sonhos. Nas vésperas de se escrever ou falar sobre A Hawk and a Hacksaw, pôr In the Aeroplane Over the Sea a tocar pode ajudar no processo de configuração dos laços de sangue que existem entre este projecto emergente e os Neutral Milk Hotel. Há qualquer coisa de geográfico no disco maior de uma das mais citadas formações dentro da divisão estranhíssima da folk encharcada de fuzz em marcha nupcial e/ou fúnebre. Na última audição, canções como “The King of Carrot Flowers”, “Two-Headed Boy” e “Communist Daughter” recordaram como foi estar a milhares de quilómetros de casa, num país frio e com distintas referências culturais.
Os Neutral Milk Hotel têm um espaço particular na cabeça de quem os ouviu, que é capaz de dizer onde estava e o que sentiu ao recuperar o disco. Sabemos que isto na música contemporânea está para modas - pois que assim seja -, mas desde já fica o aviso: os Neutral Milk Hotel valem mil Arcade Fires. Por isso, é natural que um segundo disco (normalmente, apontado como decisivo para a continuidade das coisas novas ou para a certidão de óbito passada na praia) de alguém que esteve ligado umbilicalmente aos aduladores de Anne Frank seja aguardado com a mesma ânsia e a mesma ascese – tudo no mesmo corpo – usadas para aguentar a demora das últimas pinguinhas que caem num urinol público. Aqui há ainda um sentimento comunal, fica esclarecido o amigo leitor que é para saber ao que vem, mas é sobretudo uma comunidade de festarola, que joga com cambiantes étnicos e geográficos. Música sim, e a incitar à marcha também, mas música de feira popular, de carrossel. Música de palhaço triste.
Um diálogo das nações que enche o mundo de músicas (do mundo) sujeitas ao crivo de Jeremy Barnes, que é como quem diz ao acordeão do baterista do álbum maior daqueles senhores lá em cima. O homem disse um dia que sempre quis ser um homem-orquestra no sentido mais tradicional e acústico do termo. É um pouco isso que se passa aqui, ao segundo volume, sendo que o primeiro, homónimo de 2002, andou arredado do mapa mental de grande parte de promotores e críticos. Sem ser ofensa, temas como “A Black and White Rainbow” podiam ser cançonetas arrancadas aos trôpegos indigentes que fazem a vida no metropolitano. Mas têm uma tal universalidade que só um espírito viajante pode conceber. Não se ouvia música tão afectada e agregadora de linguagens desde que o colectivo de jazz yeah NO lançou Swell Henry no ano passado.
Barnes vai um pouco mais longe no processo de sedimentação de culturas e influências ao assediar uma canção tradicional da Transilvânia em “Laughter in the Dark”, ao visitar os Balcãs em “Europa”, ao dar um salto ao Leste Europeu em “Pastelka on the Train”, e regressando depois à pátria que o pariu e estacionando em Portland, na derradeira “Portlandtown”, de onde se desprendem umas notas de piano a reagir com um banjo acelerado. Mas o acordeão é, sem dúvida, a peça de encaixe de todas estas composições graves, cola que une sem uniformizar ou embrutecer. Dá espaço para os outros instrumentos, como a harpa executada pela mãe de Barnes, e só perde andamento em “Goodbye Great Britain”, que é um número contemplativo, de reverência aos assomos de glitch que andam a impressionar muita gente. Em “The Water Under the Moon” vêm à memória as imagens de Um Violino no Telhado, mas também as das calçadas de Paris sugeridas por Yann Tiersen.
Esse tema e o seguinte, “Our Lady of the Vlatva”, são como interregnos, pausas para descompressão, curtinhos interlúdios no desdobramento cinescópio que é o resto do disco. Este último tem, aliás, uma voz feminina travestida de amarra, anzol, isco lamacento, enfim o registo longínquo, espécie de canto de sereia, de Heather Trost, que também toca violino no álbum. A embriagar os navegantes, a fazê-los abeirar-se do abismo. Gravado numa igreja no coração da Inglaterra e também na Albuquerque natal, Darkness at Noon (belo título) é um disco vagante que abre espaços, percorre trilhos, encharca-se de tipologias de vários pontos cardeais mas que é capaz de aglomerar mais um pouco, de conter mais uma nota. A Hawk and a Hacksaw, designação pilhada de uma tradução do Dom Quixote de Miguel de Cervantes, é confluência de cheiros e coordenadas. Como o são algumas das bandas em que esteve envolvido Barnes, mais os Guignol e menos, por exemplo, os Now It’s Overhead ou Oliver Tremor Control. Caleidoscópio de formas de recorte neotradicionalista que passa n’ O Meu Mercedes É Maior Que o Teu, no Porto, a 10 de Junho, e na Zé dos Bois, em Lisboa, no dia seguinte. A ampola fez mesmo “pop”.
Leaf/Flur
Ouvir música ao deitar pode ter um de dois efeitos. Ou se assemelha àquelas pessoas que quebram o contrato social do silêncio no cinema, ou serve de acelerador de partículas nos sonhos. Nas vésperas de se escrever ou falar sobre A Hawk and a Hacksaw, pôr In the Aeroplane Over the Sea a tocar pode ajudar no processo de configuração dos laços de sangue que existem entre este projecto emergente e os Neutral Milk Hotel. Há qualquer coisa de geográfico no disco maior de uma das mais citadas formações dentro da divisão estranhíssima da folk encharcada de fuzz em marcha nupcial e/ou fúnebre. Na última audição, canções como “The King of Carrot Flowers”, “Two-Headed Boy” e “Communist Daughter” recordaram como foi estar a milhares de quilómetros de casa, num país frio e com distintas referências culturais.
Os Neutral Milk Hotel têm um espaço particular na cabeça de quem os ouviu, que é capaz de dizer onde estava e o que sentiu ao recuperar o disco. Sabemos que isto na música contemporânea está para modas - pois que assim seja -, mas desde já fica o aviso: os Neutral Milk Hotel valem mil Arcade Fires. Por isso, é natural que um segundo disco (normalmente, apontado como decisivo para a continuidade das coisas novas ou para a certidão de óbito passada na praia) de alguém que esteve ligado umbilicalmente aos aduladores de Anne Frank seja aguardado com a mesma ânsia e a mesma ascese – tudo no mesmo corpo – usadas para aguentar a demora das últimas pinguinhas que caem num urinol público. Aqui há ainda um sentimento comunal, fica esclarecido o amigo leitor que é para saber ao que vem, mas é sobretudo uma comunidade de festarola, que joga com cambiantes étnicos e geográficos. Música sim, e a incitar à marcha também, mas música de feira popular, de carrossel. Música de palhaço triste.
Um diálogo das nações que enche o mundo de músicas (do mundo) sujeitas ao crivo de Jeremy Barnes, que é como quem diz ao acordeão do baterista do álbum maior daqueles senhores lá em cima. O homem disse um dia que sempre quis ser um homem-orquestra no sentido mais tradicional e acústico do termo. É um pouco isso que se passa aqui, ao segundo volume, sendo que o primeiro, homónimo de 2002, andou arredado do mapa mental de grande parte de promotores e críticos. Sem ser ofensa, temas como “A Black and White Rainbow” podiam ser cançonetas arrancadas aos trôpegos indigentes que fazem a vida no metropolitano. Mas têm uma tal universalidade que só um espírito viajante pode conceber. Não se ouvia música tão afectada e agregadora de linguagens desde que o colectivo de jazz yeah NO lançou Swell Henry no ano passado.
Barnes vai um pouco mais longe no processo de sedimentação de culturas e influências ao assediar uma canção tradicional da Transilvânia em “Laughter in the Dark”, ao visitar os Balcãs em “Europa”, ao dar um salto ao Leste Europeu em “Pastelka on the Train”, e regressando depois à pátria que o pariu e estacionando em Portland, na derradeira “Portlandtown”, de onde se desprendem umas notas de piano a reagir com um banjo acelerado. Mas o acordeão é, sem dúvida, a peça de encaixe de todas estas composições graves, cola que une sem uniformizar ou embrutecer. Dá espaço para os outros instrumentos, como a harpa executada pela mãe de Barnes, e só perde andamento em “Goodbye Great Britain”, que é um número contemplativo, de reverência aos assomos de glitch que andam a impressionar muita gente. Em “The Water Under the Moon” vêm à memória as imagens de Um Violino no Telhado, mas também as das calçadas de Paris sugeridas por Yann Tiersen.
Esse tema e o seguinte, “Our Lady of the Vlatva”, são como interregnos, pausas para descompressão, curtinhos interlúdios no desdobramento cinescópio que é o resto do disco. Este último tem, aliás, uma voz feminina travestida de amarra, anzol, isco lamacento, enfim o registo longínquo, espécie de canto de sereia, de Heather Trost, que também toca violino no álbum. A embriagar os navegantes, a fazê-los abeirar-se do abismo. Gravado numa igreja no coração da Inglaterra e também na Albuquerque natal, Darkness at Noon (belo título) é um disco vagante que abre espaços, percorre trilhos, encharca-se de tipologias de vários pontos cardeais mas que é capaz de aglomerar mais um pouco, de conter mais uma nota. A Hawk and a Hacksaw, designação pilhada de uma tradução do Dom Quixote de Miguel de Cervantes, é confluência de cheiros e coordenadas. Como o são algumas das bandas em que esteve envolvido Barnes, mais os Guignol e menos, por exemplo, os Now It’s Overhead ou Oliver Tremor Control. Caleidoscópio de formas de recorte neotradicionalista que passa n’ O Meu Mercedes É Maior Que o Teu, no Porto, a 10 de Junho, e na Zé dos Bois, em Lisboa, no dia seguinte. A ampola fez mesmo “pop”.
26/05/2005
American Music Club @ Santiago Alquimista, Lisboa
23_05_05
Na hora da autocomiseração farsola, balão de ensaio de seus afectos, Mark Eitzel é ventríloquo de si, caricatura de si, espasmo sedutor da ridicularização de nós, assistida sempre por uma humildade só percebida depois do esgar ou da gargalhada. Sala arranjadinha em baixo, com algumas (muito poucas) clareiras, a varanda superior do Santiago Alquimista a um terço da sua capacidade. E Eitzel ali, o palhacito, de chapéu à avozinho, roupa casual e ténis.
Sempre no seu tom miserabilista delicioso, pediu desculpas por só tocar canções de amor. Pediu desculpas por ser tão lamechas. Quase se desculpou por existir, mas a isso estamos nós habituados. Nada que não esperássemos da figura-mor dos American Music Club, outra vez nas bocas do mundo, dobrada uma década desde a implosão. Em boa verdade, eles nunca estiveram arredados das esferas opinativas, seja por ordem da grandeza dos trabalhos a solo de Eitzel e pela necessária menção na árvore genealógica, seja porque American Music Club é sinónimo de Mark Eitzel. E toda a gente sabe isso.
Foi com o tema que abre o disco novo, Love Songs for Patriots, que inauguraram a noite num arrastado “Ladies and Gentlemen”, depois “Only Love Can Set You Free” e “Patriot’s Heart”, este sobre um “gay strip club” lá do sítio, palavras de Eitzel. Quando ele se dirige à plateia, conta invariavelmente conversas de bares, reais ou inventadas. Como aquela em que um tipo se lhe dirige, muito entusiástico, e pergunta o que ele faz da vida. Que era bibliotecário, respondeu Mark. Não deve ser muito “fulfilling”, diz o outro, e continua a melgar: “Eu sou DJ, faço psychedelic house.” “Fuck off!” foi a resposta. E isso arrancou uma gargalhada à sala lisboeta.
Mark Eitzel é diferente de muitas das vozes da nova geração. Primeiro porque começou mais cedo. Segundo porque leva anos de experiências, vícios, cristianismo de lapela, uma solidão interior muito grande e uma auto-ironia acutilante, como demonstrou em conversa telefónica há um par de anos. Terceiro porque não faz parte de qualquer vaga de redescoberta do hedonismo patente num gajo e numa guitarra. O que fez foi a pulso e o que fez foi muito. É um old–school crooner, se assim lhe podemos chamar. E pertence à casta geracional de outros dois Marks, Lanegan e Kozelek, que, sendo muito diferentes, caminham na mesma estrada de loucos, sozinhos e avessos ao mundo.
Depois de uma hora em que deu para partir uma corda da guitarra, sai com a banda para regressar logo a seguir, debaixo de aplausos. Regressa sozinho com um copo de cerveja a agradecer e sai. Volta com a banda, apresenta-a e juntos tocam um par de temas mais uplifting. Depois, é só ele, acompanhado da guitarra, numa rendição de “Heart and Soul” dos Joy Division. Antes disso, voltou-se de costas para quase todo o auditório para dedicar uma canção às poucas pessoas que estavam em cima, sobre o palco.
No total, tocaram cerca de hora e vinte, fizeram a rotação necessária ao disco que marca o regresso e reafirmaram a genialidade de Mark Eitzel. Genialidade que não se mostra, que não se impõe mas que se vai revelando aos poucos, em cima do palco ou em disco. Há coisas que não se explicam para não se faltar à verdade das experiências. Na recorrência das piadas autopunitivas, na fluidez daquele olhar alcoólico, na efervescência dos sons tirados à guitarra (e ao baixo, à bateria e às teclas) mora uma figura imensa.
Na hora da autocomiseração farsola, balão de ensaio de seus afectos, Mark Eitzel é ventríloquo de si, caricatura de si, espasmo sedutor da ridicularização de nós, assistida sempre por uma humildade só percebida depois do esgar ou da gargalhada. Sala arranjadinha em baixo, com algumas (muito poucas) clareiras, a varanda superior do Santiago Alquimista a um terço da sua capacidade. E Eitzel ali, o palhacito, de chapéu à avozinho, roupa casual e ténis.
Sempre no seu tom miserabilista delicioso, pediu desculpas por só tocar canções de amor. Pediu desculpas por ser tão lamechas. Quase se desculpou por existir, mas a isso estamos nós habituados. Nada que não esperássemos da figura-mor dos American Music Club, outra vez nas bocas do mundo, dobrada uma década desde a implosão. Em boa verdade, eles nunca estiveram arredados das esferas opinativas, seja por ordem da grandeza dos trabalhos a solo de Eitzel e pela necessária menção na árvore genealógica, seja porque American Music Club é sinónimo de Mark Eitzel. E toda a gente sabe isso.
Foi com o tema que abre o disco novo, Love Songs for Patriots, que inauguraram a noite num arrastado “Ladies and Gentlemen”, depois “Only Love Can Set You Free” e “Patriot’s Heart”, este sobre um “gay strip club” lá do sítio, palavras de Eitzel. Quando ele se dirige à plateia, conta invariavelmente conversas de bares, reais ou inventadas. Como aquela em que um tipo se lhe dirige, muito entusiástico, e pergunta o que ele faz da vida. Que era bibliotecário, respondeu Mark. Não deve ser muito “fulfilling”, diz o outro, e continua a melgar: “Eu sou DJ, faço psychedelic house.” “Fuck off!” foi a resposta. E isso arrancou uma gargalhada à sala lisboeta.
Mark Eitzel é diferente de muitas das vozes da nova geração. Primeiro porque começou mais cedo. Segundo porque leva anos de experiências, vícios, cristianismo de lapela, uma solidão interior muito grande e uma auto-ironia acutilante, como demonstrou em conversa telefónica há um par de anos. Terceiro porque não faz parte de qualquer vaga de redescoberta do hedonismo patente num gajo e numa guitarra. O que fez foi a pulso e o que fez foi muito. É um old–school crooner, se assim lhe podemos chamar. E pertence à casta geracional de outros dois Marks, Lanegan e Kozelek, que, sendo muito diferentes, caminham na mesma estrada de loucos, sozinhos e avessos ao mundo.
Depois de uma hora em que deu para partir uma corda da guitarra, sai com a banda para regressar logo a seguir, debaixo de aplausos. Regressa sozinho com um copo de cerveja a agradecer e sai. Volta com a banda, apresenta-a e juntos tocam um par de temas mais uplifting. Depois, é só ele, acompanhado da guitarra, numa rendição de “Heart and Soul” dos Joy Division. Antes disso, voltou-se de costas para quase todo o auditório para dedicar uma canção às poucas pessoas que estavam em cima, sobre o palco.
No total, tocaram cerca de hora e vinte, fizeram a rotação necessária ao disco que marca o regresso e reafirmaram a genialidade de Mark Eitzel. Genialidade que não se mostra, que não se impõe mas que se vai revelando aos poucos, em cima do palco ou em disco. Há coisas que não se explicam para não se faltar à verdade das experiências. Na recorrência das piadas autopunitivas, na fluidez daquele olhar alcoólico, na efervescência dos sons tirados à guitarra (e ao baixo, à bateria e às teclas) mora uma figura imensa.
Us3 - Questions
Us3/Kudos Records
Rating: 8/10
There is a growing trend of jazz and hip-hop revivalism happening as we speak. From Mike Ladd’s Negrophilia to the exciting records that Soul Jazz Records is putting out, this may become the year when it is again fun to merge two apparently unrelated languages, as opposed to last year’s freak folk of Banhart and Six Organs of Admittance. Jazz and hip-hop have one thing in common to start with: it is hard to come up with a definition to describe both genres. When asked what jazz was, veteran musician Louis Armstrong had this to say: “If you still have to ask… shame on you.”
Us3 is a soul meets jazz meets hip-hop (and everything in between) project, commissioned by London-based Geoff Wilkinson, and its first US album in seven years, the appropriately titled Questions, is no exception to that ongoing symbiosis of genres. Formed in 1992, Us3 had since relied on sampling jazz tracks and meshing them with beats and breaks from various origins as their basic hub of work, and in that Blue Note had always occupied a central stage – until they gathered enough material to release their third album, An Ordinary Day in an Unusual Place. Initially meant to be issued on Sony, you know how the story ends: legal issues led to a two-year delay and the record ended up being released in Europe and Japan in 2001 and available as import-only in the US.
Partially because of that, and, Wilkinson says, as they are now more fond of working with “live musicians rather than dead ones,” Questions is their first sample-free record. This is to a great result, judging from the first track, “A New Beginning”, an instrumental two-minute take on ambient sounds to help digest the eclectic cauldron ahead. When the piano erupts from the trumpet-led track that is “Watcha Gonna Do?”, anticipating the soft and warm voice of South African Mpho, you know that you are holding a soothing album to accompany you throughout the year.
Its soul-searching kick is what gives this record enough ambience to delve into late-night, sax-driven tepid waters where romance can truly emerge. Reggi Wyns, just another affiliate of Us3’s rotating vocalists, first appears when “What Does That Mean?” comes to a start. Wyns is what I like to call a rap crooner, coming all the way from Brooklyn to embellish this distinctive melting pot. Also a distinguished actor, having appeared in Serendipity and Law and Order, Wyns has also recorded with New York crew LIB and is the break beat counterpart to the nu soul-influenced vocal work of Mpho.
The mash up between the two and other guests is perfect. The music never gets boring because they know how to cleverly mix styles, topping a new form of bastardized pop that has everything to evolve and influence. Latin and drum ‘n’ bass elements resonate throughout the tracks like a sharpened blade cutting through butter. “Why Not?” is so strongly-rooted in a studio-like performance, with all Wyns’ rap manners intertwined with the flutes, that the Us3 themselves would struggle to out-trump it when performing live, especially with a different line-up.
Some tracks here are assumedly cut from the same cloth, “Cantaloop 2004: Soul Mix” and its bossa mix equivalent (check out us3.com for an animated video of the former) being the most notorious examples, but the album rarely concedes to its stylistic parameters, instead expanding from those hot spots. The best parts come with the faint chalk sketching of “Give Thanks” and “The Healer.” There is indeed an unfinished sympathy about them, as Massive Attack would state. Although there is nothing here likely to significantly challenge our perspective on nu-jazz, Questions represents all that is done well when mixing diverse styles.
http://www.lostatsea.net/review.phtml?id=156331282442848bff0b770
Rating: 8/10
There is a growing trend of jazz and hip-hop revivalism happening as we speak. From Mike Ladd’s Negrophilia to the exciting records that Soul Jazz Records is putting out, this may become the year when it is again fun to merge two apparently unrelated languages, as opposed to last year’s freak folk of Banhart and Six Organs of Admittance. Jazz and hip-hop have one thing in common to start with: it is hard to come up with a definition to describe both genres. When asked what jazz was, veteran musician Louis Armstrong had this to say: “If you still have to ask… shame on you.”
Us3 is a soul meets jazz meets hip-hop (and everything in between) project, commissioned by London-based Geoff Wilkinson, and its first US album in seven years, the appropriately titled Questions, is no exception to that ongoing symbiosis of genres. Formed in 1992, Us3 had since relied on sampling jazz tracks and meshing them with beats and breaks from various origins as their basic hub of work, and in that Blue Note had always occupied a central stage – until they gathered enough material to release their third album, An Ordinary Day in an Unusual Place. Initially meant to be issued on Sony, you know how the story ends: legal issues led to a two-year delay and the record ended up being released in Europe and Japan in 2001 and available as import-only in the US.
Partially because of that, and, Wilkinson says, as they are now more fond of working with “live musicians rather than dead ones,” Questions is their first sample-free record. This is to a great result, judging from the first track, “A New Beginning”, an instrumental two-minute take on ambient sounds to help digest the eclectic cauldron ahead. When the piano erupts from the trumpet-led track that is “Watcha Gonna Do?”, anticipating the soft and warm voice of South African Mpho, you know that you are holding a soothing album to accompany you throughout the year.
Its soul-searching kick is what gives this record enough ambience to delve into late-night, sax-driven tepid waters where romance can truly emerge. Reggi Wyns, just another affiliate of Us3’s rotating vocalists, first appears when “What Does That Mean?” comes to a start. Wyns is what I like to call a rap crooner, coming all the way from Brooklyn to embellish this distinctive melting pot. Also a distinguished actor, having appeared in Serendipity and Law and Order, Wyns has also recorded with New York crew LIB and is the break beat counterpart to the nu soul-influenced vocal work of Mpho.
The mash up between the two and other guests is perfect. The music never gets boring because they know how to cleverly mix styles, topping a new form of bastardized pop that has everything to evolve and influence. Latin and drum ‘n’ bass elements resonate throughout the tracks like a sharpened blade cutting through butter. “Why Not?” is so strongly-rooted in a studio-like performance, with all Wyns’ rap manners intertwined with the flutes, that the Us3 themselves would struggle to out-trump it when performing live, especially with a different line-up.
Some tracks here are assumedly cut from the same cloth, “Cantaloop 2004: Soul Mix” and its bossa mix equivalent (check out us3.com for an animated video of the former) being the most notorious examples, but the album rarely concedes to its stylistic parameters, instead expanding from those hot spots. The best parts come with the faint chalk sketching of “Give Thanks” and “The Healer.” There is indeed an unfinished sympathy about them, as Massive Attack would state. Although there is nothing here likely to significantly challenge our perspective on nu-jazz, Questions represents all that is done well when mixing diverse styles.
http://www.lostatsea.net/review.phtml?id=156331282442848bff0b770
22/05/2005
AGF/Delay + Jamie Lidell : entrevista
No início do ano passado foram os To Rococo Rot a invadir a estação de metro da Baixa-Chiado, em Lisboa. Este ano, por ocasião da Noite dos Museus, em serão de final da Taça UEFA, recebemos duas das propostas mais vivas da electrónica que ocupa um lugar de nenhures. Antye Greie-Fuchs, que costuma gravar com a sigla AGF, berlinense de gema, enamorou-se por Vladislav Delay, o produtor que veio do frio. Natural da Finlândia, ele junta-se assim a uma das peças do puzzle Laub para a edição conjunta de Explode. O duo apresenta-se, uma vez mais ao vivo mas agora acompanhado pelo compositor Craig Armstrong, a 4 de Junho próximo, dia em que arranca a segunda edição de Serralves em Festa, no Porto.
Na noite que deixou um amargo de boca dentro das quatro linhas, houve ainda tempo para ouvir o gingão de serviço, o very british Jamie Lidell, uma caixa de fazer ritmos que deve ter deixado grande parte da socialite, que se concentrava nos jardins do Museu Nacional de Arte Antiga, de boca aberta. As conversas reproduzem-se a seguir.
Como é que se conheceram e porque decidiram trabalhar juntos?
Delay – Conhecemo-nos há quatro, cinco anos numa feira de música. Sentimos que podíamos dar muito um ao outro. Já conhecíamos os trabalhos do outro e decidimos fazer algo juntos. Era uma coisa que há muito fazia parte dos nossos planos mas que só agora se concretizou.
AGF – Mantemos uma relação amorosa, para além da relação artística. Eu amo-o mas sabemos separar as coisas quando se trata de trabalhar.
Delay – Temos uma relação estável e isso, de certo modo, permite-nos fazer o que queremos, artisticamente.
O que querem dizer quando afirmam que este disco é dedicado à Natureza?
AGF – Passámos dois meses no norte da Finlândia no mais completo isolamento. Atravessámos fronteiras, viajámos muito de carro, chegámos a ter uns problemas com a matrícula, que era alemã. Foi por essa altura que decidimos fazer este disco e mostrar de que forma vivemos esses dias.
Delay – Sim, como é estar rodeado de Natureza, sem contactos com o exterior. Depois desses dois meses, as vozes e os sons tornaram-se mais claros para nós, mais límpidos. Quando regressámos à Alemanha, tentámos incorporar no disco tudo isso que tínhamos sentido. Foi uma experiência muito maior e mais enriquecedora do que qualquer outra coisa que tenha vivido até então.
No vosso set de ontem e também no disco que gravaram em parceria, sinto uma certa economia de palavras. Concordam?
AGF – Humm… nem por isso. Às vezes, até sinto que elas são demais. Inspiro-me em livros, filmes mas também no que se passa à nossa volta.
Delay – Não queremos passar mensagem política, embora por vezes se pense que sim. Eu sou do tipo informativo, gosto de ler jornais e livros, gosto de estar informado.
AGF – No hip hop é diferente, claro. Aqui tentei usar as palavras que surgiam da colaboração artística e da relação que nós os dois mantemos. A observação, o detalhe são fundamentais na escrita de palavras, na abordagem de assuntos. As viagens desempenham, com os livros e os filmes, um papel central no florescimento das ideias que queremos explorar. Quando ainda andava a estudar, lia livros com uma frequência tal que aproveitava o caminho para a escola para ler mais. Depois deixei de ler e voltei-me para a música. Foi ele que me recuperou o gosto pela leitura. Gosto muito de autobiografias, por exemplo.
Há aquela música, que de resto tocaram ontem, “Explode Baby”, que parte de uma reportagem sobre uma bombista suicida…
AGF – Sim, o que tentei fazer com essa música foi pôr-me no lugar dessa mulher, perceber o que ela sentiu, lidar com a violência, perceber o que a levou a fazer aquilo, no fundo compreender tudo o que está por detrás de um acto desses. E quais eram os meus sentimentos perante isso, as minhas emoções. Mas sempre sem julgar nem me transformar em mensageira política, não é disso que se trata.
Por vezes, a tua voz parece vir de um fio de raciocínio muito rápido, quase instantâneo… Mas voltando ao disco, ele foi depois gravado em Berlim. Sentem que há uma comunhão entre os elementos rurais da Finlândia e a urbe?
AGF – Humm… Mesmo em Berlim estivemos sempre afastados do rebuliço. Gravámos num sítio recatado, longe da confusão do centro da cidade. Tivemos muito sossego, muito espaço para gravar. Não acho que haja muita pulsação urbana neste disco.
Delay – Em Berlim também estive isolado. Eu não socializo, nunca vou a festas, clubes, bares ou coisas desse género.
[Pausa para comentar o marisco.]
AGF – Isto é um enorme desafio para mim, conseguir tirar o marisco da concha…
Delay – Confesso que o meu estômago é muito sensível. Se eu comesse isso, deitava logo tudo fora. Não como carne e só gosto de certos tipos de peixe. Se eu comesse essas coisas, o meu estômago ia parecer uma máquina de lavar roupa, às voltas.
Vocês tendem a desviar-se dos métodos mais tradicionais de fazer música electrónica. Consideram-se um duo disciplinado?
Delay – Não, de todo. É importante para nós que a música soe humana e não maquínica. Que haja elementos quentes, humanos na música que fazemos. Por isso, tentamos sempre que a nossa proposta seja tudo menos previsível ou temporizada, do tipo “isto vai acontecer assim, e depois entra isto” e está tudo programado ao milímetro, beat por beat. Isso não nos interessa, gosto de coisas fluidas. Talvez seja por causa disso que as pessoas dizem que não vamos atrás das formas tradicionais da electrónica. Costumam referir-se a nós como downtempo e isso não me incomoda. Percebo a necessidade de compartimentar as coisas para tornar mais fácil a assimilação. Mas, em resumo, a música é feita por seres humanos, portanto acho que toda ela, de uma forma ou de outra, tem traços humanos. Não podemos escapar a isso.
AGF – Consigo perceber o que perguntas. Acho que há o risco de alguma dessa música soar pouco emotiva, muito fria e distante. Não quero fazer música de amor mas penso que a poesia tem uma importância tremenda na forma de te expressares. Se for bem feita, a música encontra sempre maneira de ir ter contigo, de te tocar. Temos o noise, por exemplo, que apesar de tudo soa muito refrescante.
[Neste ponto da conversa, do outro lado da mesa, Jamie Lidell compara o marisco a cera do ouvido.]
Delay, tu começaste como percussionista jazz. O que guardas desses anos de formação?
Delay – É óbvio que a minha formação foi estruturante do trabalho que tenho vindo a desenvolver, quer sozinho, quer neste projecto com a Antye, quer nos projectos futuros que venha a ter. Para este disco, e talvez por isso ele soe tão natural, o trabalho de bateria assume realmente alguma importância, sobretudo porque ela é tocada em vez de ser manipulada. A grande diferença é que agora o meu trabalho está comparativamente mais exposto.
Continuas interessada em levar a música para um universo audiovisual?
AGF – Sim, sim. É algo que sempre gostei de fazer. Já fiz instalações e estive envolvida noutros projectos multimédia. Esse é o meu plano de reforma. (risos) Não, isso da reforma veio de uma conversa ontem com o Jamie. Mas, neste momento, estou a trabalhar em cinco discos. Tento fazer isso muito devagar, entrar aos poucos.
Vão-se embora de Portugal ainda hoje?
AGF – Sim, mas voltamos já daqui a duas semanas para uma actuação no Porto, em Serralves, ao lado de Craig Armstrong.
Jamie Lidell é um músico que se não existisse, dificilmente seria inventado. Produtor britânico, que tanto tem de incompreendido como de admirado, colaborou com Cristian Vogel no projecto Super_Collider em 1999, e com Matthew Herbert. A sua música, verdadeira artilharia sonora banhada a techno de muitos quilates e ainda mais decibéis, foi testada na noite de quarta-feira, logo a seguir ao duo AGF/Delay. Como, no dia seguinte, também se sentou à mesa da marisqueira da Almirante Reis, reproduzimos aqui uma breve e descontraída conversa com o homem, escrevinhada de improviso.
Fiquei impressionado com o concerto de ontem à noite. A primeira coisa que me ocorreu para descrever aquilo que fizeste foi “human beatbox”…
Sim, sim. É isso que lhe chamo, “human beatbox” [começa a improvisar falando para o microfone do gravador]. Deixas sair tudo da tua boca, há tanta merda que podes dizer. É muito divertido. Quando era pequeno, costumava cantar por cima dos discos [canta num tom muito agudo]. É uma energia tremenda, é o que a Missy Elliott anda a fazer. Não gostei muito da minha actuação de ontem, não encontrei uma direcção. Os meus últimos concertos foram diferentes, foram óptimos. Deixo passar para a música o que me vai passando pela cabeça. Gosto de sentir logo uma reacção do público. Se fico sozinho, sinto-me perdido.
Achas difícil encontrar uma direcção na tua música?
Como disse, tem tudo a ver com a comunicação entre mim e o público. Se encontro um caminho, as coisas acontecem, limito-me a actuar. Tento nunca deixar que os sons se tornem aborrecidos, tento encontrar um bom groove e explorá-lo durante muito tempo. Isso é que é o techno. Se a minha imaginação se esgotar, deixo de o fazer. Mas quando fazes um mau show, aprendes muito mais. É bom aprender.
Usas muito os erros que cometes na tua música?
Sim, os erros estão por toda a parte. Tanto quanto sei, os erros fazem parte da vida.
Em relação ao teu disco, vai sair em Junho…
A 13 de Junho. Chama-se Multiply e é composto por dez canções. Não há desperdícios neste álbum. São dez diferentes direcções mas que têm algo em comum. São muito intensas, muito extremas. No conjunto, funcionam todas como um livro, mas é sempre o mesmo livro. É como um exercício para mim, uma coisa que me dá gozo, como um groove da Motown. É tudo muito real. Aprendi muito a fazer este disco.
Pedro Santos (Flur) – Vais levar este disco para cima do palco?
Não, ainda não. Não tenho dinheiro para isso. Fiz algumas datas em Paris com uma série de gente, incluindo a Feist. Quando ela se aproxima do microfone, é como que um super poder que se forma. E depois há mais gente…
Uma espécie de techno big band…
Sim, incorpora um pouco de tudo, jazz, indie rock… A Feist é mais nessa onda, do indie rock. Uma canção dela foi single do mês na loja de música do iTunes, imagina. Ela está a atravessar fronteiras, tem uma voz muito doce.
Levas uma setlist contigo quando vais actuar?
Sim, mas ontem não olhei para ela. Talvez devesse ter feito isso. (risos) Nunca mais toco sem olhar para a setlist. Aprendi a minha lição, aprendi a lição.
Foram o quê, 90 minutos?
Não.
Pedro Santos – Não, acho que foi à volta de uma hora.
Mas pareceram 90 minutos… [solta um grunhido para o gravador]
Começaste a receber mais atenção por parte dos media quando colaboraste numa compilação da etiqueta Mille Plateaux – e depois com os Super_Collider…
[Pensa um pouco] Isso foi há muito tempo. Bom, há várias formas de as pessoas me encontrarem, de me conhecerem. Gosto das abordagens enigmáticas, sem rosto. É algo que aprecio muito. É como com os Boards of Canada, eles nunca tocam ao vivo. Há muita gente a pedir-lhes que toquem mas eles recusam-se. Com este disco estou a lutar pela platina, pela tripla platina. (risos) Se não conseguir, desisto. Estou a gozar, não me preocupo com isso. Os tipos do The Guardian falaram bem de mim e isso é o que importa.
Ao falares em música sem rosto, consideras a tua música inumana?
Não, não com este disco. Multiply é extremamente humano, é como um disco ao vivo. Trabalho com uma equipa muito boa.
[O Bodyspace assistiu à actuação do duo AGF/Delay e de Jamie Lidell a convite da distribuidora Flur.]
http://www.bodyspace.net/entrevistas.php?ent_id=41
Rosetta, de Jean-Pierre e Luc Dardenne (+) O Pedido de Emprego, de Pedro Caldas
Bélgica / França, 1999
Um filme que se serve do close-up e da câmara nervosa para entrar nos personagens e não lhes deixar espaço de fuga. Rosetta é uma menina que faz as vezes da mãe, alcoólica que não quer deixar a bebida, pêga envergonhada prontamente repreendida pela filha. A relação entre as duas é tensa desde o início, com a miúda a ditar as leis e a exigir coisas da mãe. O auge acontece quando, lutando para se libertar da filha que a queria no centro de reabilitação, a mãe a atira para um lago coberto de lodo e foge, apesar dos gritos da miúda e do risco de vida que corre.
Não se vêem mais até ao final. Rosetta vai dormir a casa de um rapaz que conhecera numa roulote que vendia gaufres. Despedida da fábrica onde trabalhava, logo na sequência inicial, ela quer ter um emprego, mas um emprego à séria. Nessa noite, jantam juntos e o rapaz mostra-lhe as gravações de bateria que tem, "a única coisa que faço mais ou menos bem", a solo ou no que quase parece uma big band de garagem. O rapaz arranja-lhe onde dormir em sua casa. Émilie Dequenne, no papel da protagonista, tem das interpretações mais brilhantes, ao deitar-se e proferir os seus mandamentos, primeiro na segunda e depois na primeira pessoa do singular.
Quer uma vida normal, encontrar um amigo, um emprego, "não vou cair na merda" e dá-se as boas noites. Rosetta cumpre vários rituais, como o de esconder as botas no mato ou o de apanhar trutas com uma garrafa com o fundo cortado. Numa dessas pescas, devolve o peixe ao lago porque, quando o rapaz se aproxima, pensa que são os guardas do acampamento. Ao ajudá-la, o rapaz cai no lago e debate-se desesperadamente para de lá sair, clamando por ajuda. Rosetta demora-se e quase o deixa afogar. Depois sabemos que desejava que ele morresse, ela própria lho confessa, para ficar com o seu emprego.
Afastada temporariamente depois de três dias a trabalhar na confecção dos gaufres, dirige-se ao patrão e acusa o rapaz de lucrar com gaufres feitos em casa, que vendia juntamente com os outros. O patrão despede-o e chama para o seu lugar Rosetta. Mas a consciência pesa e, passado algum tempo, liga ao patrão para dizer que não volta. Tranca-se e à mãe que encontrara, inconsciente, junto à roulote onde viviam e tenta matar-se (e à mãe) abrindo a torneira do gás. Mas o gás acaba-se e ela tem de ir comprar outra bilha. No caminho de volta, atravessa-se à frente dela o motociclista salvador, aquele a quem ela tinha roubado o emprego. Aí ela mostra um olhar perdido, quase quase arrependido e o genérico final passa sem som.
Rosetta é um filme que reinstala, ou melhor agrava, aquele sentimento de perda quando, após um filme, tentamos religar-nos à realidade. Termina com um plano desesperado de uma menina, que finalmente chora. Para essa sensação de desnorte contribui também o genérico final, a ficha técnica que passa em silêncio, sem a habitual trilha sonora. A tornar mais surdos os passos de regresso a casa, depois do cinema.
Antes da exibição do filme, os cinemas Ávila tinham alinhada na passada sexta-feira a curta-metragem O Pedido de Emprego de Pedro Caldas, que data de 1999. Há um longo plano-sequência em que as actrizes Sylvie Rocha, a entrevistada, e Lucinda Loureiro, a entrevistadora, conversam. Uma entrevista que revela muito da aspirante ao lugar, que tenta esconder um passado de drogas e a custo agarrar-se ao lugar.
Um filme que se serve do close-up e da câmara nervosa para entrar nos personagens e não lhes deixar espaço de fuga. Rosetta é uma menina que faz as vezes da mãe, alcoólica que não quer deixar a bebida, pêga envergonhada prontamente repreendida pela filha. A relação entre as duas é tensa desde o início, com a miúda a ditar as leis e a exigir coisas da mãe. O auge acontece quando, lutando para se libertar da filha que a queria no centro de reabilitação, a mãe a atira para um lago coberto de lodo e foge, apesar dos gritos da miúda e do risco de vida que corre.
Não se vêem mais até ao final. Rosetta vai dormir a casa de um rapaz que conhecera numa roulote que vendia gaufres. Despedida da fábrica onde trabalhava, logo na sequência inicial, ela quer ter um emprego, mas um emprego à séria. Nessa noite, jantam juntos e o rapaz mostra-lhe as gravações de bateria que tem, "a única coisa que faço mais ou menos bem", a solo ou no que quase parece uma big band de garagem. O rapaz arranja-lhe onde dormir em sua casa. Émilie Dequenne, no papel da protagonista, tem das interpretações mais brilhantes, ao deitar-se e proferir os seus mandamentos, primeiro na segunda e depois na primeira pessoa do singular.
Quer uma vida normal, encontrar um amigo, um emprego, "não vou cair na merda" e dá-se as boas noites. Rosetta cumpre vários rituais, como o de esconder as botas no mato ou o de apanhar trutas com uma garrafa com o fundo cortado. Numa dessas pescas, devolve o peixe ao lago porque, quando o rapaz se aproxima, pensa que são os guardas do acampamento. Ao ajudá-la, o rapaz cai no lago e debate-se desesperadamente para de lá sair, clamando por ajuda. Rosetta demora-se e quase o deixa afogar. Depois sabemos que desejava que ele morresse, ela própria lho confessa, para ficar com o seu emprego.
Afastada temporariamente depois de três dias a trabalhar na confecção dos gaufres, dirige-se ao patrão e acusa o rapaz de lucrar com gaufres feitos em casa, que vendia juntamente com os outros. O patrão despede-o e chama para o seu lugar Rosetta. Mas a consciência pesa e, passado algum tempo, liga ao patrão para dizer que não volta. Tranca-se e à mãe que encontrara, inconsciente, junto à roulote onde viviam e tenta matar-se (e à mãe) abrindo a torneira do gás. Mas o gás acaba-se e ela tem de ir comprar outra bilha. No caminho de volta, atravessa-se à frente dela o motociclista salvador, aquele a quem ela tinha roubado o emprego. Aí ela mostra um olhar perdido, quase quase arrependido e o genérico final passa sem som.
Rosetta é um filme que reinstala, ou melhor agrava, aquele sentimento de perda quando, após um filme, tentamos religar-nos à realidade. Termina com um plano desesperado de uma menina, que finalmente chora. Para essa sensação de desnorte contribui também o genérico final, a ficha técnica que passa em silêncio, sem a habitual trilha sonora. A tornar mais surdos os passos de regresso a casa, depois do cinema.
Antes da exibição do filme, os cinemas Ávila tinham alinhada na passada sexta-feira a curta-metragem O Pedido de Emprego de Pedro Caldas, que data de 1999. Há um longo plano-sequência em que as actrizes Sylvie Rocha, a entrevistada, e Lucinda Loureiro, a entrevistadora, conversam. Uma entrevista que revela muito da aspirante ao lugar, que tenta esconder um passado de drogas e a custo agarrar-se ao lugar.
21/05/2005
Mike Ladd : interview
Negro + philia = [Negrophilia (- Annoying Issues)] = A great album!
This will certainly not be the first alert to emerge from the press this year regarding the odd sort of jazz/hip hop revivalism happening right now. From the Thirsty Ear catalogue of collaborations to Us3's new album, from the Blue Note series and the reggae-soaked ensembles such as Rhythm & Sound to the Soul Jazz label, it is once again time for everyone to merge and dance. There are growing numbers of skilled, multi-form musicians to accomodate the growing number of dance music fans in a non-dance music kind of way, and Mike Ladd is no exception. Ladd's latest album, Negrophilia, profoundly demonstrates his ability to invigorate even the most rigid body, and I tossed him a few questions about it, via email, that he kindly found some time to answer.
The word "negrophilia" comes from the French "negrophilie," which means a love for black culture. Mike Ladd's latest, released earlier this year on Thirsty Ear, adopted its name from that term. "Being Black-American, I can go as far as I please," Ladd states, elaborating on the power of the word by saying "shade plays a significant role in black American culture, but it is not as distinct as in other countries, South Africa for example."
Initially known to be offensive, etymologically speaking, the word negrophilia has come to take on a positive meaning. But Mike Ladd has a different story to tell us about: "Anyone who is offended by the title needs to kick back and relax with a dictionary. Negrophila simply means an intense or obsessive love of black culture." For clarification, he adds that "the word was coined when Africans were still commonly referred to as negroes, hence negrophilia."
In 2000, freelance art historian and curator Petrine Archer-Straw, based in Jamaica, published Negrophilia, Avant-Garde Paris and Black Culture in the 1920s, a book that has definitely influenced Mike Ladd. Citing his appreciation for the text, Ladd marvels at how the author "explores some of the origins of the obsession many whites have with cultures of the African Diaspora. It is a phenomena that has fascinated and often, but not always, infuriated me."
When composing the record that would come to share the name of Archer-Straw's work, the Cambridge, MA-born musician tried to "bend the rules of the computer as much as possible; sometimes we used mistakes the computer made while arranging the samples." In an attempt to make the process less rigid, Ladd says he would "try and add as much chaos as I can to working with computers." There's an obvious notion of rhythm coming out of this entire album, but one notable tracks is "The French Dig Latinos, Too."
And what about the lyrics? "I try and use lyrics more and more sparingly," Ladd confesses. Indeed, the words he does use in his songs are of a hightened relevance because of the times they are absent. Only four of Negrophilia's eleven tracks have lyrics, and it is that absence that creates their need and ultimately gives them their power. Ladd agrees, adding, "also I don't want to just pound words down people's ears just for the sake of talking. No filler."
Augmented by a plethora of instruments including keyboards, drums, winds, trumpet, and tape loops, the album also has a Marguerite Ladd credited on sampled composition. Curious, I ask Ladd if that is his wife, but he indicates that I have missed the target. "Marguerite is my niece. I sampled the performance of her freshman year composition at New England Conservatory of Music."
Aside from his sibling's child and a friend, Allison Dean, every other sampled source came from the Negrophelia recording sessions with Ladd, Roy Campbell, Andrew Lamb, Vijay Iyer and Guillermo Brown. Always a worthy element to keep an eye on, the artwork, which Ladd describes as being "fantastic," was done by Anfgelbert Miller. Ladd explains that the thing written on the cover means "up to the beholder."
From his formative years when playing with garage bands, Ladd's experience has been centered around progression. "I had a ball, I could hardly play an instrument- still can't- but I had a great time," he recalls. And of course, winning the Nuyorican Poets Cafe Slam and having his text published was "important to my career as a teacher, as is all published work." But Ladd misses the classroom and resents not having been teaching in schools since 2001. He can, of course, take comfort in knowing that his music is a tool for instruction as well.
In 2000 Ladd started a trilogy for the Big Dada imprint with Gun Hill Road, the second part being called Beauty Party and released three years later. "It's a real struggle with real sides, thus they have to have real bands. This shit is so real," Ladd exclaims. He recorded those albums for the Big Dada imprint under a different moniker each time; first it was the Infesticons and then the Majesticons. "The last one will probably be the Domesticons, what with the kid and all," he jokes about his newborn son.
Although his music is currently must-listen, Ladd is no overnight newcomer. In the world of hip hop his connections go as far as to include spoken-word prophets like Saul Williams and El-P, the latter being one of the most prominent rap artists of recent memory. From the jazz side, Guillermo E. Brown and Vijay Iyer, Ladd says, are "the only two I have worked with closely." The impact of Brown and Iyer upon Negrophelia should not be discounted, Ladd having "learned a tremendous amount about music and space and timing" from the two.
When it comes to the revisionist talk of "jazz/hip hop revivalism" that preceded this interview, Mike Ladd wouldn't be so quick to call it is a new thing. As he points out, "they have been trying to merge the two [jazz and hip hop] overtly since before the first Red Hot and Blue record. They keep forgetting they are already merged. It may not be obvious how they are merged but that's what makes the connection so strong."
Creating a lyrical universe that somehow manages to blend Bollywood and Jay-Z, LA and Taipei, Beyonce and Hannibal, Man Ray and Duchamp in what feels like a melting pot of genres and influences, Mike Ladd has found a brand new joy in life: "right now I'm learning how to be a father to a two-day-old boy." OK, we are done here. Maybe it's time to change diapers.
SEE ALSO: www.thirstyear.com
http://www.lostatsea.net/feature.phtml?fid=20203923854289169792835
This will certainly not be the first alert to emerge from the press this year regarding the odd sort of jazz/hip hop revivalism happening right now. From the Thirsty Ear catalogue of collaborations to Us3's new album, from the Blue Note series and the reggae-soaked ensembles such as Rhythm & Sound to the Soul Jazz label, it is once again time for everyone to merge and dance. There are growing numbers of skilled, multi-form musicians to accomodate the growing number of dance music fans in a non-dance music kind of way, and Mike Ladd is no exception. Ladd's latest album, Negrophilia, profoundly demonstrates his ability to invigorate even the most rigid body, and I tossed him a few questions about it, via email, that he kindly found some time to answer.
The word "negrophilia" comes from the French "negrophilie," which means a love for black culture. Mike Ladd's latest, released earlier this year on Thirsty Ear, adopted its name from that term. "Being Black-American, I can go as far as I please," Ladd states, elaborating on the power of the word by saying "shade plays a significant role in black American culture, but it is not as distinct as in other countries, South Africa for example."
Initially known to be offensive, etymologically speaking, the word negrophilia has come to take on a positive meaning. But Mike Ladd has a different story to tell us about: "Anyone who is offended by the title needs to kick back and relax with a dictionary. Negrophila simply means an intense or obsessive love of black culture." For clarification, he adds that "the word was coined when Africans were still commonly referred to as negroes, hence negrophilia."
In 2000, freelance art historian and curator Petrine Archer-Straw, based in Jamaica, published Negrophilia, Avant-Garde Paris and Black Culture in the 1920s, a book that has definitely influenced Mike Ladd. Citing his appreciation for the text, Ladd marvels at how the author "explores some of the origins of the obsession many whites have with cultures of the African Diaspora. It is a phenomena that has fascinated and often, but not always, infuriated me."
When composing the record that would come to share the name of Archer-Straw's work, the Cambridge, MA-born musician tried to "bend the rules of the computer as much as possible; sometimes we used mistakes the computer made while arranging the samples." In an attempt to make the process less rigid, Ladd says he would "try and add as much chaos as I can to working with computers." There's an obvious notion of rhythm coming out of this entire album, but one notable tracks is "The French Dig Latinos, Too."
And what about the lyrics? "I try and use lyrics more and more sparingly," Ladd confesses. Indeed, the words he does use in his songs are of a hightened relevance because of the times they are absent. Only four of Negrophilia's eleven tracks have lyrics, and it is that absence that creates their need and ultimately gives them their power. Ladd agrees, adding, "also I don't want to just pound words down people's ears just for the sake of talking. No filler."
Augmented by a plethora of instruments including keyboards, drums, winds, trumpet, and tape loops, the album also has a Marguerite Ladd credited on sampled composition. Curious, I ask Ladd if that is his wife, but he indicates that I have missed the target. "Marguerite is my niece. I sampled the performance of her freshman year composition at New England Conservatory of Music."
Aside from his sibling's child and a friend, Allison Dean, every other sampled source came from the Negrophelia recording sessions with Ladd, Roy Campbell, Andrew Lamb, Vijay Iyer and Guillermo Brown. Always a worthy element to keep an eye on, the artwork, which Ladd describes as being "fantastic," was done by Anfgelbert Miller. Ladd explains that the thing written on the cover means "up to the beholder."
From his formative years when playing with garage bands, Ladd's experience has been centered around progression. "I had a ball, I could hardly play an instrument- still can't- but I had a great time," he recalls. And of course, winning the Nuyorican Poets Cafe Slam and having his text published was "important to my career as a teacher, as is all published work." But Ladd misses the classroom and resents not having been teaching in schools since 2001. He can, of course, take comfort in knowing that his music is a tool for instruction as well.
In 2000 Ladd started a trilogy for the Big Dada imprint with Gun Hill Road, the second part being called Beauty Party and released three years later. "It's a real struggle with real sides, thus they have to have real bands. This shit is so real," Ladd exclaims. He recorded those albums for the Big Dada imprint under a different moniker each time; first it was the Infesticons and then the Majesticons. "The last one will probably be the Domesticons, what with the kid and all," he jokes about his newborn son.
Although his music is currently must-listen, Ladd is no overnight newcomer. In the world of hip hop his connections go as far as to include spoken-word prophets like Saul Williams and El-P, the latter being one of the most prominent rap artists of recent memory. From the jazz side, Guillermo E. Brown and Vijay Iyer, Ladd says, are "the only two I have worked with closely." The impact of Brown and Iyer upon Negrophelia should not be discounted, Ladd having "learned a tremendous amount about music and space and timing" from the two.
When it comes to the revisionist talk of "jazz/hip hop revivalism" that preceded this interview, Mike Ladd wouldn't be so quick to call it is a new thing. As he points out, "they have been trying to merge the two [jazz and hip hop] overtly since before the first Red Hot and Blue record. They keep forgetting they are already merged. It may not be obvious how they are merged but that's what makes the connection so strong."
Creating a lyrical universe that somehow manages to blend Bollywood and Jay-Z, LA and Taipei, Beyonce and Hannibal, Man Ray and Duchamp in what feels like a melting pot of genres and influences, Mike Ladd has found a brand new joy in life: "right now I'm learning how to be a father to a two-day-old boy." OK, we are done here. Maybe it's time to change diapers.
SEE ALSO: www.thirstyear.com
http://www.lostatsea.net/feature.phtml?fid=20203923854289169792835
17/05/2005
The Books - Lost and Safe
2005
Tomlab/Flur
Arrependei-vos, infiéis! O novo maná do desconstrucionismo dos cânones da pop mora em The Books e, mais especificamente, no surpreendente Lost and Safe. A neurose começa logo no primeiro verso do inaugural “A Little Longing Goes Away”, onde profetizam “yes and no are just distinguished by distinction”. É música de enrolar a língua, baseada em instrumentália acústica e aquilo que a comunidade anglo-saxónica chama de found sound, uma sub-divisão da arte que faz do reaproveitamento de restos o seu núcleo central de trabalho, para onde podem convergir desde gravações caseiras a captações de rua, mercados, feiras de paragens longínquas. E nisso ninguém bate as etiquetas Luaka Bop e Sublime Frequencies.
Talvez por possuírem essa veia ecológica não seja de estranhar ouvir em “Vogt Dig For Kloppervok” uma porta a abrir-se ou a fechar-se (para o caso não interessa) ou o choro de uma criança e uma gaivota a piar em “Smells Like Content”. Ou que “An Animated Description of Mr. Maps.” comece por soar a orquestra mariachi, a tactear ao de leve o universo de western de um John Ford da primeira casta, e depois evolua para uma matriz call-and-response que lembra uns Notwist em despique verbal com samples de pessoas mortas. E se há coisa que os The Books exploram com argúcia são as letras. Senão, é ouvir no final desta: “I want all of the American people to understand that is understandable that the American people cannot possibly understand." É malhar no Presidente, claro está!
E o que dizer de “Venice”, uma das ideias mais arrojadas transformada em canção? A pintura assistida de um quadro, uma verborreia de artista a intervalar as pinceladas com explicações sobre o método, enfim o discurso do método. É como Vincent van Gogh dar-nos pistas sobre como mutilou a orelha, só que um bocado mais simpático. Assim são os The Books, geniais, inconsequentes, a construir pirâmides de som sem conhecimentos de álgebra ou matemática ou arquitectura. A tornar as coisas mais difíceis mas sempre com música de encher o olho, mesmo que logo a seguir apliquem um violento soco da jugular à retina.
Formaram-se em Nova Iorque corria o ano 2000, quando Nick Zammuto e Paul de Jong foram apresentados por um amigo comum e, desde então, têm aplicado torções constantes na marcha indiferenciada da música de massas. E, por já estarmos dentro da dimensão deles, até já abusamos da aliteração. Ainda poucos perceberam mas a vida é uma sobreposição de camadas, de elevações e mergulhos. Por que não fazer um disco assim e pôr ao barulho ponteiros de relógio a fazer tic-tac, o som de uma coruja, telefones a tocar, lamentos durante a noite, como em “If Not Now, Whenever”?
Pois os The Books já vão no terceiro, depois de Thought for Food em 2002 e de se mudarem para a Carolina do Norte onde lançaram The Lemon of Pink. Valeu-lhes o interesse de Tom Steinle da Tomlab Records, para quem sempre gravaram. Para fazer um dos mais brilhantes discos do primeiro semestre deste ano, a banda mudou-se outra vez, desta feita para um casa victoriana no Massachusetts, e mais uma vez deu a volta ao texto, com canções que são como crepes chineses cobertos (outra vez, a aliteração) de molho agridoce. Devora-se de uma dentada, degusta-se ainda com o molho nos cantos da boca mas leva-se algum tempo a digerir. Casos de “It Never Changes to Stop”, mas sobretudo de “Be Good to Them Always”, um tema que é um brinco de pérola, disposto em camadas que não acabam, com guitarras esparsas e em cascata, a desafiar a paciência, a mostrar pontos de fuga mas a barrar o caminho.
E ainda há quem se preocupe com o futuro da pop e pense que ela vai ficar-se pela cançoneta mariquinhas. Só é pena que isto ganhe um tal dramatismo que seja difícil apreender o disco todo sem espaçamentos temporais. Mas isso apenas lhe dá mais espaço e tempo para crescer. Uma advertência: é complicado ouvir Lost and Safe e não pensar em comida. Sai pato à Pequim para toda a gente!
Tomlab/Flur
Arrependei-vos, infiéis! O novo maná do desconstrucionismo dos cânones da pop mora em The Books e, mais especificamente, no surpreendente Lost and Safe. A neurose começa logo no primeiro verso do inaugural “A Little Longing Goes Away”, onde profetizam “yes and no are just distinguished by distinction”. É música de enrolar a língua, baseada em instrumentália acústica e aquilo que a comunidade anglo-saxónica chama de found sound, uma sub-divisão da arte que faz do reaproveitamento de restos o seu núcleo central de trabalho, para onde podem convergir desde gravações caseiras a captações de rua, mercados, feiras de paragens longínquas. E nisso ninguém bate as etiquetas Luaka Bop e Sublime Frequencies.
Talvez por possuírem essa veia ecológica não seja de estranhar ouvir em “Vogt Dig For Kloppervok” uma porta a abrir-se ou a fechar-se (para o caso não interessa) ou o choro de uma criança e uma gaivota a piar em “Smells Like Content”. Ou que “An Animated Description of Mr. Maps.” comece por soar a orquestra mariachi, a tactear ao de leve o universo de western de um John Ford da primeira casta, e depois evolua para uma matriz call-and-response que lembra uns Notwist em despique verbal com samples de pessoas mortas. E se há coisa que os The Books exploram com argúcia são as letras. Senão, é ouvir no final desta: “I want all of the American people to understand that is understandable that the American people cannot possibly understand." É malhar no Presidente, claro está!
E o que dizer de “Venice”, uma das ideias mais arrojadas transformada em canção? A pintura assistida de um quadro, uma verborreia de artista a intervalar as pinceladas com explicações sobre o método, enfim o discurso do método. É como Vincent van Gogh dar-nos pistas sobre como mutilou a orelha, só que um bocado mais simpático. Assim são os The Books, geniais, inconsequentes, a construir pirâmides de som sem conhecimentos de álgebra ou matemática ou arquitectura. A tornar as coisas mais difíceis mas sempre com música de encher o olho, mesmo que logo a seguir apliquem um violento soco da jugular à retina.
Formaram-se em Nova Iorque corria o ano 2000, quando Nick Zammuto e Paul de Jong foram apresentados por um amigo comum e, desde então, têm aplicado torções constantes na marcha indiferenciada da música de massas. E, por já estarmos dentro da dimensão deles, até já abusamos da aliteração. Ainda poucos perceberam mas a vida é uma sobreposição de camadas, de elevações e mergulhos. Por que não fazer um disco assim e pôr ao barulho ponteiros de relógio a fazer tic-tac, o som de uma coruja, telefones a tocar, lamentos durante a noite, como em “If Not Now, Whenever”?
Pois os The Books já vão no terceiro, depois de Thought for Food em 2002 e de se mudarem para a Carolina do Norte onde lançaram The Lemon of Pink. Valeu-lhes o interesse de Tom Steinle da Tomlab Records, para quem sempre gravaram. Para fazer um dos mais brilhantes discos do primeiro semestre deste ano, a banda mudou-se outra vez, desta feita para um casa victoriana no Massachusetts, e mais uma vez deu a volta ao texto, com canções que são como crepes chineses cobertos (outra vez, a aliteração) de molho agridoce. Devora-se de uma dentada, degusta-se ainda com o molho nos cantos da boca mas leva-se algum tempo a digerir. Casos de “It Never Changes to Stop”, mas sobretudo de “Be Good to Them Always”, um tema que é um brinco de pérola, disposto em camadas que não acabam, com guitarras esparsas e em cascata, a desafiar a paciência, a mostrar pontos de fuga mas a barrar o caminho.
E ainda há quem se preocupe com o futuro da pop e pense que ela vai ficar-se pela cançoneta mariquinhas. Só é pena que isto ganhe um tal dramatismo que seja difícil apreender o disco todo sem espaçamentos temporais. Mas isso apenas lhe dá mais espaço e tempo para crescer. Uma advertência: é complicado ouvir Lost and Safe e não pensar em comida. Sai pato à Pequim para toda a gente!
A Eternidade e um Dia, de Theo Angelopoulos
Grécia / França / Itália, 1998
Há pelo menos duas boas ideias que o realizador grego explora neste filme. Duas boas ideias e uma passagem que rivaliza com outras igualmente boas nos circuitos mais marginais do cinema. Uma história dentro da história central de A Eternidade e um Dia: um poeta que compra palavras, porque as não conhece e precisa delas para escrever um poema. A outra é a resposta que o protagonista vê devolvida para a pergunta que faz a Anna: "uma eternidade e um dia" é quanto demora o amanhã.
A passagem de que falávamos acontece, é noite cerrada, quando Alexander pára o carro em que circula ao sinal vermelho do semáforo. Quando volta a verde, o afamado escritor em fim de vida não arranca, obrigando os outros condutores a desviarem-se dele. E assim fica até que, quando cai novamente o vermelho, já novo dia tinha começado, ele arranca a grande velocidade. A noite foi passada em vigília, em contemplação, estados de alma que o percorrem durante grande parte do filme e que o levam a olhar em flashback para episódios da sua vida amorosa com Anna.
Gravemente doente, Alexander pensa que se entrar no hospital, nunca mais de lá sairá com vida. Decidiu passar lá amanhã e amanhã é anunciado, recordado sempre que arvoram planos para o dia seguinte. É por isso que não se compromete para além de amanhã com um miúdo albanês, perseguido por uma rede de tráfico de crianças, que as vende a pessoas endinheiradas que não podem adoptar dentro das balizas da lei. Tenta fazê-lo chegar à Albânia em busca da avó que diz ter, mas o puto mente.
Alexander estava envolvido na bizarra empresa de acabar um poema incompleto do século XIX, mas também isso fica em suspenso. Porque talvez lhe faltassem as palavras, porque amanhã vinha já a seguir. Não é assim, como veremos no final. Entretanto, o enredo ganha mais com a cena do autocarro, com Alexander e o miúdo acompanhados de uma banda de músicos, do que em quase todo o registo em analepse. Contas feitas, não é um mau filme mas não se compreende o furor nem a Palma de Ouro de Cannes. É sobretudo um filme que ganhava se fosse encurtado nas pontas.
Há pelo menos duas boas ideias que o realizador grego explora neste filme. Duas boas ideias e uma passagem que rivaliza com outras igualmente boas nos circuitos mais marginais do cinema. Uma história dentro da história central de A Eternidade e um Dia: um poeta que compra palavras, porque as não conhece e precisa delas para escrever um poema. A outra é a resposta que o protagonista vê devolvida para a pergunta que faz a Anna: "uma eternidade e um dia" é quanto demora o amanhã.
A passagem de que falávamos acontece, é noite cerrada, quando Alexander pára o carro em que circula ao sinal vermelho do semáforo. Quando volta a verde, o afamado escritor em fim de vida não arranca, obrigando os outros condutores a desviarem-se dele. E assim fica até que, quando cai novamente o vermelho, já novo dia tinha começado, ele arranca a grande velocidade. A noite foi passada em vigília, em contemplação, estados de alma que o percorrem durante grande parte do filme e que o levam a olhar em flashback para episódios da sua vida amorosa com Anna.
Gravemente doente, Alexander pensa que se entrar no hospital, nunca mais de lá sairá com vida. Decidiu passar lá amanhã e amanhã é anunciado, recordado sempre que arvoram planos para o dia seguinte. É por isso que não se compromete para além de amanhã com um miúdo albanês, perseguido por uma rede de tráfico de crianças, que as vende a pessoas endinheiradas que não podem adoptar dentro das balizas da lei. Tenta fazê-lo chegar à Albânia em busca da avó que diz ter, mas o puto mente.
Alexander estava envolvido na bizarra empresa de acabar um poema incompleto do século XIX, mas também isso fica em suspenso. Porque talvez lhe faltassem as palavras, porque amanhã vinha já a seguir. Não é assim, como veremos no final. Entretanto, o enredo ganha mais com a cena do autocarro, com Alexander e o miúdo acompanhados de uma banda de músicos, do que em quase todo o registo em analepse. Contas feitas, não é um mau filme mas não se compreende o furor nem a Palma de Ouro de Cannes. É sobretudo um filme que ganhava se fosse encurtado nas pontas.
07/05/2005
#7: "Soft like there's silk everywhere"
Playlist 07.Maio.2005
Ficheiro MP3
Arne Nordheim - Solar Plexus
The Delgados - Pull the Wires From the Wall
Sheila Chandra - Shehnai Song
Moussa Doumbia - Keleya
Archie Bronson Outfit - Islands
Elf Power - Jane
Dead Cowboys - Twin Evil Stars
Aereogramme - The Art of Belief
Fila Brazillia - Dervish Controller
Gastr Del Sol - Hello Spiral
Swamp Children - El Figaro
Aarktica - A Shadow Knife (Draw the Bleeding Light)
Pandit Shiv Kumar Sharma - Teen Taal (extract)
Mice Parade - Waterslide
ervas daninhas:
DJ Rupture - Bonechip
Savath and Savalas - Soto L'aigua
o coffee breakz recorda:
My Bloody Valentine - Only Shallow
Ficheiro MP3
Arne Nordheim - Solar Plexus
The Delgados - Pull the Wires From the Wall
Sheila Chandra - Shehnai Song
Moussa Doumbia - Keleya
Archie Bronson Outfit - Islands
Elf Power - Jane
Dead Cowboys - Twin Evil Stars
Aereogramme - The Art of Belief
Fila Brazillia - Dervish Controller
Gastr Del Sol - Hello Spiral
Swamp Children - El Figaro
Aarktica - A Shadow Knife (Draw the Bleeding Light)
Pandit Shiv Kumar Sharma - Teen Taal (extract)
Mice Parade - Waterslide
ervas daninhas:
DJ Rupture - Bonechip
Savath and Savalas - Soto L'aigua
o coffee breakz recorda:
My Bloody Valentine - Only Shallow
05/05/2005
Sage Francis - A Healthy Distrust
2005
Epitaph
As pessoas tendem a distorcer a História para enfatizar as razões dos seus propósitos. Mas só a ingenuidade ou a casmurrice permitem que se continue a cultivar a imagem romântica de Che Guevara como o doce revolucionário. Numa altura em que se prepara uma série de filmes sobre a sua vida, depois dos Diários, era interessante não perder de vista a responsabilidade (e particular gozo, acusam alguns) que el comandante teve no assassínio de pessoas inocentes. Será desta que se faz alguma justiça à memória dos civis anónimos que morreram por ordem expressa do Che? É que já era tempo.
Posto isto, a política sempre andou nas bocas do mundo e necessariamente na música, expressão sublime do pensar e sentir humanos. Das rodelas de vinyl dos Public Enemy a todas as cabeças que fazem música com mensagem capaz de ir além do estafado código de engate que pouco mais visa do que saltar para a cueca da miúda mais gira da pista de dança, à diáspora ritmada da menina M.I.A., filha de um revolucionário / terrorista do Sri Lanka, a esfera pública absorve ensinamentos primários do que é a política e do que são os ideais, proferidos por músicos nem sempre intelectualmente honestos.
Há ilhas de pensamento, de atitudes, de saber estar na vida e na política, seja qual for a sua expressão. Cada vez mais assediada pelas lógicas mercantilistas, a Anticon foi quem primeiro deu voz activa ao miúdo objecto desta resenha. Não pensávamos que, da noite para o dia, assinasse pela Epitaph e se tornasse grande. Foi o que aconteceu. Bom, mais ou menos. Sage Francis não tem a fama nem o proveito de uns Beastie Boys, e é até mais sério do que eles, no sentido em que se diverte menos. Mas as suas rimas são tão ou mais certeiras, agora com um megafone apontado às cordas vocais.
É assim com “The Buzz Kill”, o prólogo, a declaração de intenções, a arma obsoleta de protesto, o clarim da revolta, é tudo numa canção, leia-se petardo, que dispara em todos os sentidos. Francis enche a alma de lama e junta-lhe uma ventoinha. O resultado é esse que se ouve, uma mensagem escalonada de revoltazinha juvenil, atravessada por interlúdios em jeito de anúncios à população, naquele registo delicioso do cheap radio. Perfeito.
Depois é a jóia da coroa: uma colaboração descarnada, pouco habitual, inesperada até porque o outro, o convidado, é republicano num país demasiadamente bipolarizado, e por isso alheado da raiz neoliberal em que se radica o pensamento de Sage Francis, pelo menos aquele que mostra em disco e que sempre encontrou réplica nos intelectuais da Bay Area de São Francisco. Mas Will Oldham é também um dos melhores crooners da actualidade e o seu registo desolado, de menino chorão, bonito, bonito, é obliterado pelo vínculo abrasivo da cortina rap de Francis. O disco valia bem o seu dinheiro só por isto.
Mas claro, há outras coisas a assinalar. Há os temas da obsessão por armas, do rapper homofóbico que em “Gunz Yo” se exploram como quem esgravata terra com as unhas, a sageza crítica salpicada de requintes anticapitalistas de “Product Placement” e o cepticismo de que a luta desarmada alguma vez vingue (“Slow Down Gandhi”). Em tudo isto Francis lança perspectiva, nunca se convertendo em pregador catalítico de massas. Tem nervo de aço e pinta de leftista mas não deve ter paciência para o seguidismo. Por isso, gosta mais de falar em metáfora, de encarnar o vilão e dar a conhecer o que os olhos dele devolvem. É preciso ter as ideias no sítio para se fazer escola, é preciso ler jornais e livros para não soar como um papagaio de propaganda. Ele sabe isso. Como o não ignora Sixtoo, um dos músicos mais refrescantes da colheita de hip hop experimental do ano passado, e que aparece aqui a dar uma mãozinha em “Crumble”.
Mas A Healthy Distrust não seria o mesmo se não incluísse a mensagem-tributo a Johnny Cash. “Jah Didn’t Kill Johnny” fecha o álbum a prestar reverência a uma das figuras mais queridas do cancioneiro marginal da América. E também aqui Sage Francis sabe dar a volta ao texto e não se debulha em lamentos inconsequentes. Ele já é um menino grande e rappa com uma tal destreza que vai despachando a eito alguns dos dogmas mais resistentes do hip hop. Bem-haja por isso também. E, pelo menos aqui, não há sublimações apressadas de heróis com sangue nas mãos.
http://www.bodyspace.net/album.php?album_id=436
Epitaph
As pessoas tendem a distorcer a História para enfatizar as razões dos seus propósitos. Mas só a ingenuidade ou a casmurrice permitem que se continue a cultivar a imagem romântica de Che Guevara como o doce revolucionário. Numa altura em que se prepara uma série de filmes sobre a sua vida, depois dos Diários, era interessante não perder de vista a responsabilidade (e particular gozo, acusam alguns) que el comandante teve no assassínio de pessoas inocentes. Será desta que se faz alguma justiça à memória dos civis anónimos que morreram por ordem expressa do Che? É que já era tempo.
Posto isto, a política sempre andou nas bocas do mundo e necessariamente na música, expressão sublime do pensar e sentir humanos. Das rodelas de vinyl dos Public Enemy a todas as cabeças que fazem música com mensagem capaz de ir além do estafado código de engate que pouco mais visa do que saltar para a cueca da miúda mais gira da pista de dança, à diáspora ritmada da menina M.I.A., filha de um revolucionário / terrorista do Sri Lanka, a esfera pública absorve ensinamentos primários do que é a política e do que são os ideais, proferidos por músicos nem sempre intelectualmente honestos.
Há ilhas de pensamento, de atitudes, de saber estar na vida e na política, seja qual for a sua expressão. Cada vez mais assediada pelas lógicas mercantilistas, a Anticon foi quem primeiro deu voz activa ao miúdo objecto desta resenha. Não pensávamos que, da noite para o dia, assinasse pela Epitaph e se tornasse grande. Foi o que aconteceu. Bom, mais ou menos. Sage Francis não tem a fama nem o proveito de uns Beastie Boys, e é até mais sério do que eles, no sentido em que se diverte menos. Mas as suas rimas são tão ou mais certeiras, agora com um megafone apontado às cordas vocais.
É assim com “The Buzz Kill”, o prólogo, a declaração de intenções, a arma obsoleta de protesto, o clarim da revolta, é tudo numa canção, leia-se petardo, que dispara em todos os sentidos. Francis enche a alma de lama e junta-lhe uma ventoinha. O resultado é esse que se ouve, uma mensagem escalonada de revoltazinha juvenil, atravessada por interlúdios em jeito de anúncios à população, naquele registo delicioso do cheap radio. Perfeito.
Depois é a jóia da coroa: uma colaboração descarnada, pouco habitual, inesperada até porque o outro, o convidado, é republicano num país demasiadamente bipolarizado, e por isso alheado da raiz neoliberal em que se radica o pensamento de Sage Francis, pelo menos aquele que mostra em disco e que sempre encontrou réplica nos intelectuais da Bay Area de São Francisco. Mas Will Oldham é também um dos melhores crooners da actualidade e o seu registo desolado, de menino chorão, bonito, bonito, é obliterado pelo vínculo abrasivo da cortina rap de Francis. O disco valia bem o seu dinheiro só por isto.
Mas claro, há outras coisas a assinalar. Há os temas da obsessão por armas, do rapper homofóbico que em “Gunz Yo” se exploram como quem esgravata terra com as unhas, a sageza crítica salpicada de requintes anticapitalistas de “Product Placement” e o cepticismo de que a luta desarmada alguma vez vingue (“Slow Down Gandhi”). Em tudo isto Francis lança perspectiva, nunca se convertendo em pregador catalítico de massas. Tem nervo de aço e pinta de leftista mas não deve ter paciência para o seguidismo. Por isso, gosta mais de falar em metáfora, de encarnar o vilão e dar a conhecer o que os olhos dele devolvem. É preciso ter as ideias no sítio para se fazer escola, é preciso ler jornais e livros para não soar como um papagaio de propaganda. Ele sabe isso. Como o não ignora Sixtoo, um dos músicos mais refrescantes da colheita de hip hop experimental do ano passado, e que aparece aqui a dar uma mãozinha em “Crumble”.
Mas A Healthy Distrust não seria o mesmo se não incluísse a mensagem-tributo a Johnny Cash. “Jah Didn’t Kill Johnny” fecha o álbum a prestar reverência a uma das figuras mais queridas do cancioneiro marginal da América. E também aqui Sage Francis sabe dar a volta ao texto e não se debulha em lamentos inconsequentes. Ele já é um menino grande e rappa com uma tal destreza que vai despachando a eito alguns dos dogmas mais resistentes do hip hop. Bem-haja por isso também. E, pelo menos aqui, não há sublimações apressadas de heróis com sangue nas mãos.
http://www.bodyspace.net/album.php?album_id=436
04/05/2005
Wolf Eyes - Fuck Pete Larsen
Wabana Records
Rating: 4/10
Fuck Pete Larsen wouldn’t get such a media-spanning attention if Wolf Eyes hadn’t released Burned Mind late last year. Their first full-length for Sub Pop was a major leap in their cassette-trading history and placed the band way up in the year-end lists. As part of the “Reissue the LP” campaign undertaken by the Wabana label - which is bringing to a new life form minor treasures from the likes of Acid Mothers Temple and Sunburned Hand of the Man as well as other Wolf Eyes releases – 2002’s Fuck Pete Larsen unfolds two sonic drafts, each one exceeding the 20-minute mark.
Apart from the squealing and analog-oriented glitcheria that have granted them an overall acclaim from the cover of the Wire magazine to the local blog, Fuck Pete Larsen was originally released as a 600-copy vinyl imprint and is definitely not the proper starting point for newcomers. Although the average indie listener should expect aural oddities coming from these guys, this is way too dusty to play on the radio or amuse even the most affectionate follower of the band.
This is not a record to understand; it is just an experimental work to be filed next to other Wolf Eyes records. Not even constant reruns of this totally off-the-map experience are able to show the true potential of the Michigan trio. The paranoid level-jumping of the first part of the record leaves a bad taste in the listener’s watering mouth and sends them to a lonesome harbour with a foggy atmosphere. The vocals erupt four minutes before the track comes to a halt, but it’s too late to give some comfort to the courageous, open ear. Besides, their vocals ink a needling contract with the last minutes of the song and make it all the more menacing.
The second segment continues with the mind-challenging proposal and gets even darker, nearing impenetrable. No matter how hard you try to separate the yin from the yang for this one, you will always end up more frustrated than you were before trying to exercise your brain electrodes. At one point, this sounds dangerously close to Matmos’ worst record ever - last year’s Rat Relocation Program, which is basically the sound of a rat fighting against the cage it is trapped in - this being more electronically manipulated, and too neurotic to even be called music.
Some friendly advice: just keep your Burned Mind copy in a cool and safe place for future reference. This one’s gonna hurt, but Fuck Pete Larsen is a flop.
http://www.lostatsea.net/review.phtml?id=1230344139426ecad95c701
Rating: 4/10
Fuck Pete Larsen wouldn’t get such a media-spanning attention if Wolf Eyes hadn’t released Burned Mind late last year. Their first full-length for Sub Pop was a major leap in their cassette-trading history and placed the band way up in the year-end lists. As part of the “Reissue the LP” campaign undertaken by the Wabana label - which is bringing to a new life form minor treasures from the likes of Acid Mothers Temple and Sunburned Hand of the Man as well as other Wolf Eyes releases – 2002’s Fuck Pete Larsen unfolds two sonic drafts, each one exceeding the 20-minute mark.
Apart from the squealing and analog-oriented glitcheria that have granted them an overall acclaim from the cover of the Wire magazine to the local blog, Fuck Pete Larsen was originally released as a 600-copy vinyl imprint and is definitely not the proper starting point for newcomers. Although the average indie listener should expect aural oddities coming from these guys, this is way too dusty to play on the radio or amuse even the most affectionate follower of the band.
This is not a record to understand; it is just an experimental work to be filed next to other Wolf Eyes records. Not even constant reruns of this totally off-the-map experience are able to show the true potential of the Michigan trio. The paranoid level-jumping of the first part of the record leaves a bad taste in the listener’s watering mouth and sends them to a lonesome harbour with a foggy atmosphere. The vocals erupt four minutes before the track comes to a halt, but it’s too late to give some comfort to the courageous, open ear. Besides, their vocals ink a needling contract with the last minutes of the song and make it all the more menacing.
The second segment continues with the mind-challenging proposal and gets even darker, nearing impenetrable. No matter how hard you try to separate the yin from the yang for this one, you will always end up more frustrated than you were before trying to exercise your brain electrodes. At one point, this sounds dangerously close to Matmos’ worst record ever - last year’s Rat Relocation Program, which is basically the sound of a rat fighting against the cage it is trapped in - this being more electronically manipulated, and too neurotic to even be called music.
Some friendly advice: just keep your Burned Mind copy in a cool and safe place for future reference. This one’s gonna hurt, but Fuck Pete Larsen is a flop.
http://www.lostatsea.net/review.phtml?id=1230344139426ecad95c701
03/05/2005
Harri Stojka - A Tribute to Swing
Moving away from the cheap dilettantism of most jazz players, Harri Stojka knows which place to fill in today’s contemporary music, and he does so in an appealing and joyful way. Born in Vienna, from a Lovara-Rom dynasty of the Bagareshtchi tribe, Stojka blurs the boundaries of gypsy jazz and unfolds a quilt of various influences. He unashamedly drinks from the glass of the 1930s and the 40s, as well as more modern beverages.
A Tribute to Swing kicks off gently but ponderously, leaving the listener unaware of what might burst around the next corner. “Swanee River” sparks one’s interest in the process where the well-hung guitar breaks free from its traditional cocoon to embrace (only apparently) incompatible elements. Light is a keyword when talking about this record and “Sweet Sue” is over there to confirm just that.
Accompanied by his beloved gypsy jazz guitar, built in Paris in 1987, and a plethora of other instruments including a banjo, a double bass, drums, a violin and yet another guitar, Stojka’s music engulfs a surplus of freewheeling, modest riffage sucked from what he likes to call “old-fashioned jazz”. “J’attendrai” is punctuated by chirurgical strings, gravitating around a melody which stitches the calmness and the feel-good vibes one would instantly proclaim to be Harri’s watermark.
From “Bei Mir Bist du Scheen” on, A Tribute to Swing doesn’t change so much as progresses from the sparse landscapes that marked its first trilingual compositions. Stojka doesn’t really change tack and, quite honestly, he doesn’t have to. While allowing other music dialects to erupt, he does chew the particles left to incubate but refuses to swallow and fully incorporate them. As a result, he gives generous nods to a handful of established schools but preferably feeds his adored brainchild, born from the well-informed, blues-infused gypsy tapestries.
As the record nudges further onto its completion, more caustic ingredients spring out like invigorating chimes filling the air between songs. This studio effort, which follows last year’s Live at the Roma Wedding, is by comparison to other ventures alike, less wedded to the formulaic self of all things jazzy. Shaped by and from the remains of the gypsy mysticism (please check out the beautiful “Limehouse Blues”), this album is tributary to swing as well as all trends of ethnic, rhythm-driven music.
http://www.jazzreview.com/cd/review-16527.html
A Tribute to Swing kicks off gently but ponderously, leaving the listener unaware of what might burst around the next corner. “Swanee River” sparks one’s interest in the process where the well-hung guitar breaks free from its traditional cocoon to embrace (only apparently) incompatible elements. Light is a keyword when talking about this record and “Sweet Sue” is over there to confirm just that.
Accompanied by his beloved gypsy jazz guitar, built in Paris in 1987, and a plethora of other instruments including a banjo, a double bass, drums, a violin and yet another guitar, Stojka’s music engulfs a surplus of freewheeling, modest riffage sucked from what he likes to call “old-fashioned jazz”. “J’attendrai” is punctuated by chirurgical strings, gravitating around a melody which stitches the calmness and the feel-good vibes one would instantly proclaim to be Harri’s watermark.
From “Bei Mir Bist du Scheen” on, A Tribute to Swing doesn’t change so much as progresses from the sparse landscapes that marked its first trilingual compositions. Stojka doesn’t really change tack and, quite honestly, he doesn’t have to. While allowing other music dialects to erupt, he does chew the particles left to incubate but refuses to swallow and fully incorporate them. As a result, he gives generous nods to a handful of established schools but preferably feeds his adored brainchild, born from the well-informed, blues-infused gypsy tapestries.
As the record nudges further onto its completion, more caustic ingredients spring out like invigorating chimes filling the air between songs. This studio effort, which follows last year’s Live at the Roma Wedding, is by comparison to other ventures alike, less wedded to the formulaic self of all things jazzy. Shaped by and from the remains of the gypsy mysticism (please check out the beautiful “Limehouse Blues”), this album is tributary to swing as well as all trends of ethnic, rhythm-driven music.
http://www.jazzreview.com/cd/review-16527.html
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