França, 1996
Les Voleurs, no original, tem sete momentos narrativos, prólogo e epílogo incluídos. Estas duas marcas são, aliás, as passagens em que Justin, um miúdo que perde o pai logo no início do filme, domina por completo a tela. Os narradores sucedem-se e pontuam o argumento com marcas muito próprias.
O corpo de Ivan é levado a casa da família por dois desconhecidos. Um fato e uma gravata incomodam e fazem muita comichão a um puto mesmo no funeral do pai, está bom de ver. O miúdo tem aqui uma interpretação notável, sublinhando, numa ou outra cena, que felizmente alguém não havia chorado.
Depois recua-se no tempo até quando Alex, o tio que da última vez quase se tinha travado de razões com o pai, conhece Juliette, irmã de Jimmy, que Alex já tinha metido dentro e a quem não desiste de tentar lixar a vida. Alex encontra-se fortuitamente com Juliette em quartos de hotel. A falta de compromisso fazia-lhe bem, asseverava ele. Juliette tem uma tatuagem na linha do ventre com a inscrição Marie, espécie de musa inspiradora e sua amante. Juliette é suicida e por duas ou três vezes tentou acabar com a vida. Mas é Marie quem acaba por se impor um fim. A filosofia não lhe havia dado respostas.
Acontece que Juliette e Jimmy trabalham para Ivan, ódio de morte de Alex, chui embrutecido pela rotina e que tem “a alma de um guarda-livros”. Diz-lho Juliette quando se dirigem para a montanha para assistir ao funeral. Um negócio que correu mal, explica o avô ao neto. Mas não esclarece do que se tratava – roubo de automóveis. O velho preferia que lhe tivesse morrido Alex e diz-lho na cara. Juliette estava presente na noite do crime e julga-se perseguida pela polícia. Mas já o velho tinha lembrado Alex de que estava entre a espada e a parede.
Dividido entre o dever profissional e o dever de irmão e filho, Alex teria muito a perder se desse com a língua nos dentes, até porque teria que explicar a relação que mantinha com Juliette. Entretanto, falhada a tentativa de aproximação entre Alex e Justin, o puto vê em Jimmy um modelo. Pouco falador mas sem nunca o maçar. O velho e Jimmy falam agora em roubar camiões. Alex fica de fora, claro.
Neste filme, Téchiné não ensaia ainda a sua obsessão por Tânger, como viria a explorar com minúcia em Longe (2001) e, mais recentemente, em Os Tempos que Mudam, onde Catherine Deneuve volta a entrar em cena. Deneuve é aqui Marie, o verdadeiro anjo suicida, que se conhece depois de o realizador nos ter dado Juliette como isco. Afinal, Juliette até acaba bem, a trabalhar numa livraria, muito composta, muito equilibrada.
Herdeiro do que resta da nouvelle vague francesa, Téchiné manipula magistralmente este enredo, brinca com a densidade dos personagens e dá-lhes voz de fundo para que ilustrem por si as entorses narrativas que perpassam a película. O recurso à analepse é soberbamente conseguido.
10/04/2005
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