Irão, 2003
O filme começa onde devia acabar, com o assalto a uma joalharia. Coisa de amadores, mal executada, com a nervoseira de um disfarçada pela passividade-agressividade do outro. A seguir, retrocede-se no tempo para mostrar uma viagem de mota entre futuros cunhados, diálogos (a dar para os monólogos) existencialistas sobre roubar carteiras e as senhoras na rua.
E a recordação daquele senhor que dizia que até no roubo era preciso ter um método. E que se era para pôr dentro um larápio, pois que se prendesse o mundo inteiro. E depois, que fazer? Se alguém lhe roubou a carteira é porque precisa mais dela do que ele. Mas que não se incomodem as pessoas apenas por uns trocados. Lá está, o método…
Os dois amigos e colegas de profissão dirigem-se então à joalharia pela primeira vez e encontram alguma resistência da parte do dono que, temendo pela sua propriedade, prefere falar com eles através do vidro da porta de entrada. Aquele zelo todo feriu-lhe o orgulho, a Hussein, o passivo-agressivo.
Voltaram depois ao sítio, acompanhados da futura mulher (para um) / irmã (para outro), já bem vestidos, e a indagar sobre o preço de um colar, de uns brincos. Que eram para o casamento, diziam. E o dono que mal olhava para eles. A mesma desculpa da primeira vez: que fossem a uma outra joalharia, não longe daquela, para agradar mais a noiva e certamente mais em conta.
Depois, depois é a entrega de pizzas como ganha-pão dos dois amigos, a hilariante passagem da polícia a deter pessoas à saída de uma festa. Não é que aqueles depravados dormiam de dia e passavam a noite naquilo? E o encontro com o filho de exilados nos Estados Unidos que, ao regressar, encontrara uma cidade de loucos, de loucos. Como “as duas putéfias” que se puseram na alheta. Por causa de um problema fisiológico, veio a descobrir.
O deslocado convida então Hussein a ficar, a jantar com ele. Hussein conhece então um apartamento de luxo, uma vista esplendorosa sobre a cidade. Sabia que não fazia parte daquele mundo mas, em boa verdade, sempre fora um inadaptado no outro. E, quando amanhece, volta uma derradeira vez à joalharia com o intuito de a assaltar, sempre acompanhado do amigo.
E o filme retoma o fio à meada com que tinha começado. Mas Hussein já tinha estoirado os miolos depois de, num assomo de irritabilidade porque o alarme começou a soar, matar o dono.
Sangue e Ouro é um produto de uma incompleta revolução islâmica, onde as autoridades ainda legislam sobre o lazer dos cidadãos. Onde está ainda muito latente a diferença de classes e de sexos, sempre com a burka a cobrir a cabeça das mulheres. É também um arguto modo de fintar o regime fundamentalista de um Irão que ainda não despertou para uma democracia plena. Aqui não se diz claramente, escolhe-se o caminho da sugestão. Mas que adquire um realismo ímpar. Com argumento de Abbas Kiarostami, este filme é de um crueza frustrante, de uma denúncia velada, a única possível.
10/04/2005
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