14/08/2008

Tricky - Knowle West Boy

Tricky - Knowle West Boy

A dada altura, um miúdo que vive num bairro problemático pode ter duas opções: ou engrossa as estatísticas do crime e outras associadas, ou faz música que, à sua escala, se inscreve num pequeno capítulo da história da arte. Nem sempre é assim mas também quase nunca é muito diferente disto. Tricky, a persona artística de Adrian Thaws, cresceu no pouco recomendável Knowle West de Bristol. E é sobretudo do bairro que fala no mais recente "Knowle West Boy".

Já não estamos perante um "Maxinquaye", o primeiro disco de 1995, uma espécie de clássico instantâneo junto da crítica e do público, que saiu quando o trip-hop era ainda uma criança. Mas também não se pede a um músico que ultrapasse a excelência, menos ainda quando ela foi conseguida à primeira cavadela. Por estes dias, Tricky já andará resignado e com ele o resto do mundo: qualquer novo álbum dele vai estar sempre uns furos abaixo daquele que tem momentos geniais como 'Pumpkin', 'Abbaon Fat Track' ou 'Overcome'.

Aclamado por muitos como um triunfante regresso aos grandes discos e arrasado por outros tantos por estar a milhas de distância da obra maior, "Knowle West Boy" não merece nem um nem outro tratamento. É um disco de canções ora mortiças, como a versão de 'Slow' de Kylie Minogue, ora carregadinhas de tensão como o poderoso single 'Council State'. E depois há outro factor a ter em conta: desde o álbum de estreia Tricky não demorava mais do que dois anos entre edições, desta vez foram cinco e a expectativa era muita, comparável à que envolveu o regresso dos Portishead, este ano, e que andaram mais de uma década para editar material novo.

A voz de apoio que se ouve já não é a voz quente de Martina Topley-Bird, mas a presença feminina continua a ser um contrapeso importante ao registo cavo e escuro de Tricky. E isso ouve-se logo em 'Puppy Toy', um tema que abre com teclados que parecem saídos de cabarets fumarentos. Mas também em 'Cross to Bear', uma canção que mais facilmente associamos a um jazz vocal e regrado do que ao universo habitualmente esquizofrénico de Tricky.

Uma coisa é certa: ele continua capaz de escrever grandes canções que, num tom arrastado e insinuante, se revelam pequenos hinos ao amor. Foi assim com 'Pumpkin', que cantava com Alison Goldfrapp, é assim com 'Past Mistake', um daqueles temas que fazem parar os ponteiros do relógio de tão belos e convidativos à contemplação. Chegados ao final do disco, outro preconceito cai por terra. A subdivisão da electrónica que, acidentalmente ou não, Tricky ajudou a criar já não vale apenas como música de fundo de quarto de hotel ou de elevador. Agora o trip-hop é também folk sem nunca ter deixado de ser funk e soul. É tudo isso que se ouve na derradeira 'School Gates'. Tricky voltou, para o caso pouco importa se está perdoado ou não.

http://cotonete.clix.pt/quiosque/novos_discos/body.aspx?id=366

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