04/10/2008

Os Pontos Negros - Magnífico Material Inútil

Os Pontos Negros - Magnífico Material Inútil

Por vezes, dá-se o caso dos fenómenos do Entroncamento se deslocalizarem alguns quilómetros, sem qualquer prejuízo da dimensão invulgar da coisa. Com Os Pontos Negros, o fenómeno fica em plena linha de Sintra. Nascida em Queluz, a banda dos irmãos Jónatas (voz e guitarra) e David Pires (bateria e voz) faz uma música desafiante que tinge de refinado sarcasmo letras escritas em bom português. Por esta altura, os mais atentos já conhecem o 'Conto de Fadas de Sintra a Lisboa' e não resistem a cantar "e hoje ele ainda beija seus pés".

No entanto, há mais para descobrir no "Magnífico Material Inútil" para além dessa história da Cinderela dos tempos modernos. Produzido por Tiago Guillul, músico, fundador da editora FlorCaveira, blogger e pastor da Igreja Baptista, o disco exala um odor pós-adolescente (juramos que não é pelo nome da banda que escrevemos isto), enquanto revela uma escrita descarnada como uma fractura exposta. E assim se compreende que cantem Johnny Cash e António Variações em 'Tempos de Glória' ou "as tuas mãos não terão mais sangue" no 'Triunfo dos Porcos'.

Claro que o adereço maior deste altar de cartão do rock é a fina ironia da palavra, uma técnica que começa logo nos títulos das canções - 'Xadrez & Chanel' e 'Roque & Dão' (pode ser lido como "rouquidão") são dois bons exemplos. Como o são também os primeiros versos da 'Armada de Pau' ("Ser bom português é morrer na casa de Fado/ É ter um casus belli com o vizinho do lado"). A segunda guitarra de Filipe Sousa, ex-Comboio Fantasma e Lacraus, entre outros, e o órgão e a pandeireta de Silas Ferreira (Ninivitas) servem para acentuar o festival melódico.

No ano passado, Os Pontos Negros disponibilizavam o primeiro EP gratuito na página do MySpace da banda e já aí se adivinhavam influências de Strokes e Los Hermanos. Depois, veio o single do conto de fadas, suficientemente orelhudo para convencer e carregado de retalhos da boa maneira lusa de fazer as coisas: "Ela quis poder entender o Universo e começou a ler Platão/ A ele de nada lhe valeu a aparência nem a casa no Largo do Rato". De resto, não houve grandes promoções na rádio (descontando o sempre atento Henrique Amaro) mas gerou-se um burburinho ensurdecedor, daí que faça sentido a referência ao fenómeno de Queluz.

Os Pontos Negros não vão salvar o rock português nem este é um disco sem falhas, a maior delas será a inconsequência das núpcias entre letra e música: a letra de 'Com a Morte nos Calcanhares' merecia arranjos mais arrojados ou talvez seja a música a pedir outra letra, ainda não decidimos. Mas também é certo que o entorpecido mercado precisa de criatividade a rodos para sair de um marasmo que teima em não descolar. E tanto pode ser com acne na cara ou pêlo nas ventas.

http://cotonete.clix.pt/quiosque/novos_discos/body.aspx?id=402

1 comentário:

Anónimo disse...

O que vale é que todos falamos, mas na altura de fazer melhor ninguém se chega à frente. Se calhar em vez de criticarmos no alto do poleiro, devíamos tentar apoiar uma banda que dá os seus primeiros passos no longo caminho (e, com certeza, cheio de sucesso) que ainda têm pela frente.