1. Uma das formas mais eficazes de destruir a vida de alguém (há quem, por inveja, ciúme ou qualquer outra malformação, se dedique a esta merda) é acusá-lo de abuso sexual de menores. É algo que nunca descola: mesmo que a pessoa prove a sua inocência e seja absolvida, em rigor a suspeita nunca desaparece. A justiça popular é ainda mais implacável do que a justiça dos tribunais porque é exercida pelos polícias da moral, pessoas sem um pingo de humanidade ou decoro que lembram cães vadios a farejar sacos de lixo em busca de comida.
2. Ora, a morte pode ter um efeito muito perigoso: por vezes, o seu manto cobre de flores a pessoa que leva consigo e chega a inocentá-la ou a minorar os danos do que fez em vida (não quero aqui fazer isso). Recentemente, vi muita gente fazer isso com Jörg Haider. Vítima de acidente ao volante, lá estava ele a ganhar forma de anjo na imprensa e nas bocas do café. Já tudo se lhe tinha perdoado. Haider não era mais o imbecil racista, extremista e xenófobo. Com a morte, subitamente ganhara humanidade. Isto sempre me provocou um profundo e intestino nojo. Vivo ou morto, Haider é um monte de esterco.
3. Não quero pôr as mãos no fogo por ninguém e reconheço que os tribunais também se enganam ou são passíveis de corrupção. Mas vou tentar suspender as teorias da conspiração e limitar-me a ser pragmático: Michael Jackson foi acusado de abusos sexuais de menores, respondeu em tribunal e acabou absolvido. Como sabemos e como é regra nestes casos, nunca a suspeita descolou dele. A acusação foi a sua segunda morte, ele que já havia morrido há muito enquanto músico.
Soube da sua terceira morte (definitiva, física, real) às 11 da noite de quinta-feira. Estava a chegar a casa e o auto-rádio dizia-me que o homem estava em coma. Fiquei chocado. No dia seguinte, com o passar das horas, o choque deu lugar à angústia. Não chorei esta morte, da mesma forma que não choro os meus mortos.
O que mais me intrigava na figura dele era a criança em corpo de homem. Michael Jackson sofria do complexo de Peter Pan. Nunca cresceu, nunca se tornou adulto. Começou a gravar ainda miúdo, aos cinco anos já fazia parte dessa indústria sanguessuga que é a indústria da música. Na hora da sua morte, só sei pensar isto: não tenho um particular medo de morrer, tenho é medo de morrer desta forma, sem que me seja devolvida a inocência que me é devida.
29/06/2009
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