23/09/2008

Kardinal Offishall - Not 4 Sale

Kardinal Offishall - Not 4 Sale

E se, por absurdo, um disco agradasse aos entusiastas de circunstância e aos defensores da causa (perdida) do hip-hop? O rapper canadiano Kardinal Offishall não anda muito longe de conseguir isso com o mais recente "Not 4 Sale". Se o hip-hop de causas parece confinado ao estado norte-americano de New Jersey, mais acima, Toronto parece apostada em fazer a síntese e convidar os dois pólos a gingarem as ancas ao som da mesma canção, mais com k-os e menos com Buck 65, por exemplo.

Com convidados na maior parte dos temas, Kardinal fez um disco que se deixa contaminar pelo dancehall mais transpirado, pelo reggae mais desfeito e pela soul menos convencional. "Not 4 Sale" segue-se a uma dança de cadeiras com editoras, da Warner à Virgin e desta à Kon Live, a etiqueta de Akon, que divide com Kardinal o single 'Dangerous'. Mas ficamos convencidos logo à primeira, com um 'Burnt' esmigalhado segundo a tradição da Jamaica e devolvido em papel de rebuçado canadiano.

'Digital Motown' é a primeira grande lição deste álbum: não é necessário ficar a cheirar a bafio quando se olha para o passado e isso percebe-se no R&B futurista, via Los Angeles, de J-Davey. A meio do disco, 'Numba 1 (Tide Is High)' faz a primeira concessão ao mercado, com Kardinal a partilhar o microfone com a jovem Rihanna. Mas, sacrilégio ou não, o tema resulta muito bem pelo contraste entre o registo delicodoce da menina e a voz cavada do MC canadiano.

Logo a seguir, 'Ill Eagle Alien' pega no refrão de 'Englishman in New York' de Sting para o vergar à batida roots e falar de integração de imigrantes e não mais de um mero choque lúdico de culturas. Para quem ainda não se deu conta, o hip-hop também é isto.

Depois do patrão Akon, Kardinal visita o que resta da actual santíssima trindade da palavra bem esgalhada, primeiro em 'Gimme Some' com The Dream, depois em 'Go Home With You' com T-Pain. E o rapper também não dorme noutras latitudes mais distantes: 'Nina' é atravessada por um ritmo brasileiro a lembrar um funk carioca mais enxuto, enquanto a britânica Estelle atira soul contra uma parede de arestas hip-hop, classe de 80, em 'Due Me a Favour'.

Falta só falar da bonita capa que acompanha este disco: o retrato de um soldado, com o capacete descaído, o carimbo "Not 4 Sale" e um código de barras no lugar da boca. É o discurso anti-guerra a servir de montra a um disco que tem tudo de inclusivo. Nele, Kardinal convida ao circo mas é circo de palhaço triste e sem animais amestrados.

http://cotonete.clix.pt/quiosque/novos_discos/body.aspx?id=396

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