25/09/2008

Thievery Corporation - Radio Retaliation

Thievery Corporation - Radio Retaliation

Convém esclarecer, logo à partida, que os Thievery Corporation são a vaca sagrada do downbeat. Neles não se toca para dar pau sem que as bases da electrónica de bolso se agitem em revoltas apaixonadas e intestinas. Mas para perceber a dimensão do culto, é necessário juntar também o manto dub, a cultura reggae, as infusões indianas e os ritmos latinos, que sentam à volta da mesma chávena de chá sensibilidades tão distintas como o corretor de Wall Street, o funcionário público de Hong Kong e o favelado do Rio.

Rob Garza e Eric Hilton são assim um duo de garimpeiros sonoros da era moderna, mais reconhecidos na remontagem da música dos outros do que na gravação de discos próprios. Ficou célebre o trabalho que desenvolveram para as compilações "The Outernational Sound" e "Sounds From the Verve Hi-Fi". Menos conhecidos são talvez os álbuns com o selo único do duo, como "The Mirror Conspiracy" de 2000 (que apresentou aos mortais uma incrível loira libanesa) e, cinco anos mais tarde, "The Cosmic Game", com entradas em cena de Wayne Coyne, dos Flaming Lips, Perry Farrell, dos Jane's Addiction, e David Byrne.

O mais recente "Radio Retaliation" é o disco mais politizado do duo de Washington e Rob Garza nem tenta esconder esse facto: nos textos de promoção, lá foi dizendo que é difícil fechar os olhos quando o mundo está a arder, ocupado com práticas de tortura, guerras ilegais e crises económicas. Segundo ele, o momento certo para um artista falar é agora. E o ninja verde que se vê na capa é afinal um guerrilheiro zapatista mexicano, que usa máscaras para esconder a sua identidade dos esquadrões de morte da extrema-direita que perseguem os membros do movimento popular.

Tudo no disco é denunciado, tudo é dito com megafone em punho. Ou não fossem os primeiros segundos do disco ocupados por uma sirene a anunciar 'Sound the Alarm', tema repartido com Sleepy Wonder, rapper dividido entre Nova Iorque e a Jamaica. Esta é apenas a primeira de uma série de colaborações que tornam o disco também o mais internacional dos Thievery Corporation, importando sons da Jamaica, do Médio Oriente, da América Latina, da Ásia e do continente negro. Em 'Mandala', ouve-se a cítara da indiana Anoushka Shankar, num dedilhado que faz mais por aproximar o Ocidente do Oriente do que qualquer tratado internacional.

Outra presença feminina pertence à cantora e violinista eslovaca Jana Andevska que nos deixa agarrados à sua 'Beautiful Drug', numa tripe assombrosa de jazz planante e rendilhado downtempo. Os ritmos mais quentes ficaram em 'Vampires', onde entra o afro-beat do nigeriano Femi Kuti, que vê vampiros nos políticos de toda a parte, do Darfur a Lagos e Kinshasa. E em 'Hare Krsna', um apelo à meditação e filosofia zen, feito em português pelo músico brasileiro Seu Jorge. Mas ainda se ouvem pelo menos outras duas línguas: o castelhano de Verny Varela em 'El Pueblo Unido' e o francês de LouLou em 'La Femme Parallel'.

Chuck Brown pica o ponto em 'The Numbers Game', ele que é considerado o padrinho do go-go, uma derivação do funk que floresceu em Washington na década de 70. O tema é um excelente resumo do espírito que atravessa "Radio Retaliation". O disco é menos de retaliação do que de comunhão de estilos, que tenta escrever uma língua global e, como sempre acontece com os Thievery Corporation, tornar a nossa passagem pela Terra mais suportável. Desta vez, o manifesto pacífico vem num impecável cartão reciclado. E é mesmo disso que se trata, de reciclar sons e reaproveitar restos para imprimir a mensagem.

http://cotonete.clix.pt/quiosque/novos_discos/body.aspx?id=398

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