02/09/2008
Vários - O Melhor do Pop Rock Português 1980-1989
Olha-se para a capa do disco, lê-se o título e logo nos vêm à memória aquelas edições de hipermercado, vendidas a preço de saldo, que o pai de família compra por atacado apenas para acumularem pó na estante da sala de estar. E assim se fazem colecções com os grandes mestres do jazz, os maiores êxitos da revista portuguesa e sons do oceano para descanso zen. Poderia este ser um desses discos, que têm a relevância de um pequeno grão de areia numa imensa praia? Sim, mas pelo menos aqui houve algum rigor e critério na selecção, qualidades que escasseiam nas edições do género.
Pressiona-se o botão e o disco começa a devolver aquelas canções estafadíssimas que podemos ouvir nas rádios estacionadas nos anos 80 - ou seja, quase todas. Assinado pelo jornalista e profissional de rádio Nuno Galopim, este é o quarto volume de uma série que começou em 2003. Por ser uma compilação de pop/rock, mais ainda por ser um trabalho de retrospectiva, compreende-se a inclusão dos GNR (com um 'Efectivamente' algo datado) e de António Variações (com a sempre actual 'Canção de Engate').
Quando Lena d'Água nos oferece um doce, torcemos o nariz mas continuamos a perceber. Afinal, isto é pop/rock, ainda que nos tenham prometido "o melhor do pop/rock português", mas enfim suporta-se. No entanto, já custa mais levar com os 'Dias Atlânticos' dos Ban ou com 'Só Gosto de Ti' dos Heróis do Mar. Esse é um passado que preferíamos esquecer.
Para sempre queremos lembrar a irrepreensível prestação de Anabela Duarte em 'L'Amour Va Bien Merci' dos Mler Ife Dada, quando Cascais chegou a Paris e se perdeu de amores pela "chanson" lustrosa de Serge Gainsbourg. O tema recupera também o imaginário retro e deliciosamente nostálgico do Rock Rendez-Vous. Importa perguntar onde pára um concurso deste tipo nos dias de hoje.
A 'Paulinha' dos Peste e Sida, o 'Júlio é um Duro' dos Albatroz e até 'O Negro do Rádio de Pilhas' de Rui Veloso são todos personagens de uma malha social que no essencial vê passar e não intervém. Valem enquanto retratos de vidas mesmo que não nos aconcheguem com a manta quentinha da memória a que não custa nada voltar. E como os Rádio Macau regressaram já não temos que tomar 'O Elevador da Glória' de cada vez que a saudade aperta. Mas a viagem é sempre muito compensadora, menos compensador é sermos apanhados pelo Radar Kadafi e 'Eu Sei que Não Sou Sincero', uma história de amor que faz corar de vergonha.
Para o final ficaram reservados dois temas que conseguiram romper a membrana do pop/rock para paisagens mais alternativas. Anamar e os Golpe de Estado foram pop e rock sem o serem verdadeiramente. A nossa Ana Maria Alfacinha, que saiu de Lisboa e acabou a cantar numa banda punk em Gotemburgo antes de regressar, canta 'Feia Bonita' com uma voz que tacteia o ar em vez de se desprender num sopro. Raramente a pop portuguesa soube cantar tão bem e tão solta! E os Golpe de Estado fecham o disco com 'Rev 25', que mete numa trituradora rítmica e cerebral as vozes de Abril difundidas pela rádio. Impressionante exercício de electrónica descomplexada que lida com um episódio formador da nossa história contemporânea.
No que interessa, este é um disco cumpridor mas que arrisca muito pouco. Por isso, tirando o surpreendente final e um ou outro tema lá mais para cima, isto é música que facilmente se ouve no FM actual. É um documento histórico mas sem o peso de um documento histórico, que se perde na espuma dos dias. Talvez porque o travo vagamente revisionista sabe a amargo em mais de metade do disco.
http://cotonete.clix.pt/quiosque/novos_discos/body.aspx?id=386
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