04/09/2008

Lil Wayne - Tha Carter III

Lil Wayne - Tha Carter III

Enquanto o hip-hop se tornava moeda corrente entre os miúdos das costas leste e ocidental dos Estados Unidos, florescia uma cena mais localizada a sul do país. O rap sulista despontou em Miami, no final dos anos 80, apoiado em dengosas linhas de baixo e num grande cuidado lírico, e cedo contaminou as cidades vizinhas. Atlanta torna-se o epicentro criativo mas é Nova Orleães que arrecada mais dólares ao estabelecer uma lucrativa linha de montagem. Lil Wayne torna-se filho dessa subcultura ao integrar, ainda adolescente, os Hot Boys.

De então para cá, Wayne foi intervalando as suas edições a solo com uma fervorosa produção de mixtapes, o que lhe valeu um assinalável estatuto junto das bases mais fiéis. Esse culto underground não mais descolou dele até mesmo quando vendeu muito: foi o caso da estreia em nome próprio, com "Tha Block Is Hot" de 1999. Então como agora, o rapper do subsolo pega na tradição soul de Nova Orleães, adiciona-lhe frondosas e suadas batidas e serve tudo numa produção gordurosa e desafiante. Em 2004, começava a escrever o seu "Tha Carter", que vai agora no terceiro capítulo.

Aqui, ele rodeia-se de outros executores da palavra cantada, como Jay-Z (num sonolento 'Mr. Carter'), T-Pain ('Got Money' cresce a partir de um beat que parece retirado do funk carioca e posto de molho num bairro de Luanda) e Babyface (em 'Comfortable', onde só a voz de tinto velho de Wayne rompe a soul feita de veludo e plumas). Há outras mas as restantes colaborações são mais pálidas - a excepção é 'Tie My Hands', a meias com Robin Thicke, que assume a direcção de um petardo lançado às mãos da Administração Bush. É o retrato ora magoado ora acusador de uma Nova Orleães varrida pelo furacão Katrina.

Em 'Dr. Carter', Lil Wayne sampla David Axelrod, reputado produtor que fica entre a pop mais barroca e o jazz infectado pelo funk, o que diz muito da cultura musical do senhor. Wayne é dono de um conhecimento transversal que lhe permite desaparecer num jogo de arqueologia para, algumas faixas depois, reaparecer sob a forma de 'Lollipop', num electro viciante mas que se mastiga e cospe como pastilha elástica.

No entanto, ao contrário de um 50 Cent, que invariavelmente rapa sobre os tiros que levou acima da cintura, Wayne domina a arte da graçola bem engatilhada: em 'Phone Home', jura com voz metalizada que compra o nosso cérebro por uma ninharia. Já sentíamos saudades do hip-hop sem o peso do mundo em cima. Não quer isto dizer que Lil Wayne não tem histórias de pólvora para contar. Aos 12 anos, atirou acidentalmente sobre si próprio quando brincava com uma arma de fogo à frente do espelho. Ele recorda isso em 'Shoot Me Down' com a ajuda de D. Smith, mas não faz desses episódios o que eles não são.

É refrescante ouvir um rapper assim, que se distancia do rótulo de gangster enquanto se aproxima de uma noção quase perfeita de ritmo.

http://cotonete.clix.pt/quiosque/novos_discos/body.aspx?id=388

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