11/12/2008
#20: Nicola Conte - Rituals (discos 2008)
RITUAIS DO COCKTAIL
O PRODUTOR ITALIANO REGRESSA COM “RITUALS”, QUE APROFUNDA AS LIGAÇÕES À BOSSA NOVA E AO LADO MAIS LUNAR DO JAZZ. É UM DISCO DE CONTINUIDADE NA CARREIRA DE CONTE PARA OUVIR NA ESPLANADA OU NO SOFÁ.
Há muito que os sons lounge, downbeat e trip-hop são associados a festas de cocktail em hotéis caríssimos ou a música de elevador vidrado. Essa aproximação, além de injusta, não faz qualquer sentido. É injusta porque muitos dos músicos envolvidos estão longe de se identificarem com esses espaços. E não faz qualquer sentido porque, em boa verdade, qual é o mal de fazer música que convida à preguiça regada por martinis?
Nicola Conte, DJ e produtor italiano, com um passado e um presente ligados ao acid jazz, é muitas vezes catalogado da forma descrita em cima. Depois de um “Other Directions”, editado pela Blue Note, disco em que ensaiou mudanças arriscadas, ele regressa agora com um trabalho luminoso, sensual e em ponto de caramelo. Estas 13 canções libertam um perfume de bossa nova, misturado com o cheiro característico dos bares fumarentos, onde se tocava jazz na Nova Orleães de outros tempos.
Como sempre acontece em Nicola Conte, a palavra é apurada para ter um toque aveludado e melhor se misturar com os vários instrumentos. E a palavra ganha uma força enorme nas vozes convidadas: Chiara Civello, José James, Kim Sanders, Alice Ricciardi e Philipp Weiss. Tudo vozes quentes sobre o piano, o baixo e o trompete, a bateria e o saxofone tocados pela banda que já acompanha o músico há algum tempo.
Apetece destacar o álbum todo porque só o álbum tocado do início ao fim faz justiça à música do senhor. Mas os temas que mais saltam ao ouvido são, logo a abrir, “Karma Flower”, com o registo meloso de Civello, depois “The Nubian Queens”, a primeira prestação de José James no disco e que deixa à mostra um fascínio pela bossa nova e pelo jazz de big band. Há ainda “Paper Clouds” e “Red Sun”, que, juntas, fazem a banda sonora perfeita para aventuras debaixo dos lençóis.
Isto é música para se ouvir à meia-luz, no final de uma noite passada em claro. Num longo set de DJ, estas seriam as escolhas para os derradeiros momentos, onde todos já funcionam em piloto automático. São temas longos, muitos a ultrapassar os cinco minutos e alguns mesmo os sete, para ouvir sem pressas, com tempo, para descobrir neles todos os detalhes da produção.
Ouve-se a sofisticação destes temas e logo surgem perguntas sobre o percurso do senhor. É que Nicola Conte foi DJ num colectivo chamado Fez, tornou as pistas de dança a sua segunda morada, enquanto absorvia os vários dialectos da música electrónica. No entanto, a sua formação em música clássica fê-lo interessar-se a fundo pelo jazz e pelas suas inúmeras possibilidades. De então para cá, “Bossa Per Due”, de 2001, continua a ser o disco mais imediatamente reconhecido do produtor.
Esse foi um trabalho que saiu na América pela etiqueta dos Thievery Corporation, o que terá ajudado a cimentar o reconhecimento público do músico. Ele que foi também o primeiro artista italiano a assinar pela Blue Note. Depois de um percurso assim, pode esperar-se sempre um disco de mudança ou de continuidade com pequenos acrescentos. “Rituals” é exemplo da segunda abordagem, é um trabalho desafiante, como os outros, e que lhes segue as pisadas.
As vozes são, na realidade, o factor que mais diferencia este disco dos restantes. Nicola Conte continua um brilhante executor na guitarra e, sobretudo, mantém o dom de se fazer acompanhar por bons músicos. Em ano de regresso dos Portishead e dos Thievery Corporation, que partilham algum deste amor pelo downbeat e o levam por caminhos diferentes, já só faltava voltar Nicola Conte com a sua música de domingo de manhã.
(publicado na edição de Dezembro da Dance Club)
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discos 2008
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