O Miguel Esteves Cardoso influenciou pelo menos duas gerações de críticos, os contemporâneos da sua escrita e os que, por correias de transmissão, posteriormente conheceram o seu trabalho. Há coisa de um mês o MEC voltou a ter um espaço regular na imprensa, ainda para mais diário e no Público. Confesso que, por diversas vezes, me questionei sobre a relevância deste regresso. O que ia lendo (e li-o quase todos os dias) era tão sem graça que quase desbaratava anos passados a galgar barreiras com uma escrita destemida. Mas esta terça-feira voltei a ler o MEC de antigamente. Transcrevo três dos cinco parágrafos:
"Folgo em ver que Salazar - o velho estupor que há pouco tempo foi eleito o mais sexy de todas as figuras históricas portuguesas - já entrou no carrossel. Na SIC já se revelou que afinal não caiu na cadeira. Foi na banheira. Lá se foram as metáforas todas da cadeira - ou mesmo da tripeça - do poder.
Faz sentido. As casas de banho são autênticos matadouros. Os acidentes de viação são um pingo de duche comparados com os perigos escorregadios duma casa de banho. Ou das casas em geral. As nossas casas, pode dizer-se, são um meio de controlo populacional que não desejaríamos às ratazanas do Convento de Mafra.
Salazar era afinal um galã das dúzias - não havia estrangeira ou doméstica que lhe escapasse. Entre amigos - há-de saber-se - não só não era nada facho, como tinha simpatia pelos sistemas políticos dos países escandinavos. Ria-se muito e, pela calada, viajava de jacto pelo mundo inteiro, onde amealhava conquistas e manjava conquilhas com um à-vontade que fariam James Bond parecer um matarruano."
E feliz pela boa forma escrita do MEC, eu digo que me enoja o revisionismo saloio desta gente. Qualquer dia ainda se põem a dizer que o Salazar tinha coração! Há um entendimento psicológico (sociológico ou antropológico) que defende a bondade de se humanizar os nossos ditadores. Consigo ver o fundamento disto: afinal, é bom saber que é uma nesga que separa o recto do abjecto. Mas há uma grande diferença entre reconhecer humanidade numa criatura desprezível e preparar o caminho para o seu endeusamento. Deus nos livre! Só mais uma palavra para os fracos de memória: Tarrafal.
11/02/2009
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1 comentário:
Sinceramente achei esta mini-série sobre Salazar péssima em termos filmatográficos. Péssima caracterização do actor Diogo Morgado (na versão de velho Salazar, em novo ainda se aceita...). Mais uma vez Soraia Chaves... Não gostei. Lamento que se continue a dar importância a um homem que nos condenou à ignorância e cujas acções ainda se repercutem na vida dos Portugueses.
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